Entre mudar ou continuar

Entre mudar ou continuar
Chavão! O que o futuro nos reserva neste ano novo de 2018? Chavão! A esperança de dias melhores. O ano chega com uma sensação de continuidade, aliada à perspectiva de ajustes ou abalos, que acompanha, na surdina ou já flagrante, o efeito de decisões governamentais, acontecimentos previsíveis ou imprevistos, enfim, situações inerentes à vida do homem neste planeta de aprendizado. São momentos de indignação – e de esperança.
Há cientistas políticos que, face à perda de apoio social a democracias ocidentais consolidadas, temem um processo de desconstrução do sistema. Há tempos, os partidos políticos deixaram de representar o cidadão. Distanciamento, descrédito, corrupção, indignação nada têm com o exercício real da democracia. A quantos países cabe a carapuça? Para os habituados a líderes fortes, a continuidade é fato: Vladimir Putin, reeleito na Rússia; Xi Jinping, na China, com uma concentração de poder jamais vista desde Mao Tsé-tung. Por seu mérito, ou não, World Economic Forum coloca a China no rumo da Quarta Revolução Industrial, com liderança em energia solar. Acompanham os indianos, com a marca ‘made in India’, em indústrias-chave como automotiva e aerospacial.
Na Europa, o clima é de nacionalismo, anti-imigração, controle de fronteiras, resistência a uma globalização já consumada. O povo segue o dinheiro. Depois de Grécia e Portugal, persiste a tendência à bancarrota, culpa da moeda única. Chipre pode ser o próximo. O euro vai manter-se ou sucumbir? Numa Alemanha cansada da política da premier Merkel, o caos político (dissensões na coligação) enfraquece o governo. Hoje, quase um quarto da população alemã é de estrangeiros, gerando mais e mais tensões, por causa da partilha de benefícios.
Em Downing Street, Theresa May (também enfraquecida) enfrenta negociações arrastadas sobre o Brexit (saída da União Europeia), pressões diretas por parte da ala direita do Partido Conservador (os amotinados) e sua exigência para apressar o processo, a fim de tornar a Grã-Bretanha “um país plenamente independente, quando da próxima eleição”. Mas o outro lado mudou de tom, tanto mais quanto a UE também deu seu ultimato: 60 bilhões de euros como parte do acordo de saída. Há quem fale em reverter a decisão britânica, fruto de referendo, entre eles o ex-embaixador na União Europeia, Lorde John Kerr. A se consumar ou não, o Brexit já causou danos à economia britânica e impacienta à comunidade de negócios, sobretudo as empresas com operações no exterior. Também a Irlanda do Norte, com seu pequeno partido aliado a May, exige igualdade de tratamento, sobretudo no comércio interno do Reino Unido.
“Até Trump, o Brexit era a única coisa mais estúpida que um país jamais provocou”.  Palavras recentes de Michael Bloomberg somam-se a ditos nada lisonjeiros sobre o espalhafatoso presidente americano, fiel à bizarra (e perigosa) política de esticar a corda para ver quando e onde rompe. Como na Ásia (Coreia do Norte nuclear) e Oriente Médio (reconhecimento de Jerusalém como capital israelense, ou o “beijo da morte”, segundo alguns, na solução do conflito com os palestinos). Incômoda declaração (em Medium), também recente, do senador republicano John McCain, presidente do Comitê de Serviços Armados do Senado, alerta para a erosão constante da ordem liberal mundial. “Aqui em casa, nossas próprias instituições caíram vítimas da ordem em declínio… Em Washington, reina o caos político. Polarização e partidarismo levaram à paralisação”. Afronta Trump: “Nosso presidente vê virtude em sua imprevisibilidade e prefere tweets desinformados a estratégias intencionais…”
Enquanto Trump esbraveja e tumultua a política externa, o Irã, mansa e agilmente, cultiva influência política e militar no Oriente Médio, às custas dos sauditas. Já “ganhou” o Líbano, está “ganhando” Síria e Iraque e “drenando” os sauditas no Iêmen, em guerra nevrálgica, que começou com um levante popular contra a corrupção e levou o país de roldão. Até hoje, e sabe-se lá até quando.
Dependência. Para os africanos, continua a dependência de doações externas. Recursos para isto ou contra aquilo desviam atenção e meios de enfrentar corrupção e pobreza. O desenvolvimento urbano parece enterrado na política vigente. De Gâmbia parte uma esperança na democracia: Adama Barrow, vitorioso em eleição contra um ditador há 22 anos no poder. Com o voto da juventude.
Na América Latina, o impacto da era digital atinge em cheio o espaço emprego/trabalho. Ninguém fica de fora na reforma trabalhista em curso. Que, no Brasil, incide nas grandes cidades, que o resto nem conta. Especialista no assunto, Matthew E. Carnes (Universidade de Georgetown) descortina três realidades na região. Primeiro, as torres, abrigo de bancos, empresas de advocacia e consultoria financeira. “Representam um segmento altamente qualificado da economia, de rendas altas e ritmo dinâmico, mas um nicho que constitui menos de 10% de todo o emprego”. Segundo: a indústria, manufaturas e agronegócios. Suas diversificadas instalações de produção testemunham longas horas de tarefas repetitivas, a cargo de trabalhadores egressos das zonas rurais. Deixadas para trás, as famílias continuam a desempenhar atividades tradicionais, alvo de dispensa, redução de meios e custos, mercê das novas tecnologias. De 20% a 40% da força de trabalho.
“Entre esses dois mundos, oculto em cada espaço desocupado, está o maior segmento da mão de obra”. De 40% a 60%, constata Carnes. São os pequenos comércios familiares, ambulantes, camelôs – de tudo um pouco -, mais os provedores de serviços, como cabeleireiros, lavanderias ou quaisquer outras formas. Altamente heterogêneo, não é oficialmente registrado, não paga impostos nem recebe benefícios. “Informal, inexiste”. Bastaria para explicar tensões e a grita popular – contra o status, contra a reforma sugerida.
O Brasil caiu na armadilha da desqualificação, mesmo porque se ressente da base: saúde e educação. Anne Vigna, jornalista do Diplo, presente ao último Fórum de Porto Alegre, constata como objetivo da direita emergente, visando às próximas eleições: “limpar as cavalariças de Áugias”. Expressão que se refere ao rei de Élida, cujos estábulos, 30 anos sem limpeza, demandaram de Hércules desviar dois rios, Alfeu e Peneu, e inundá-los. O esterco molhado semeou a terra.
Dentre muitos, nomes de todo o mundo – estrategistas, visionários, baluartes da democracia –, o juiz Sérgio Moro integra a nova lista de Foreign Policy de pensadores, ou repensadores, como prefere intitular. 2017, considerado um ano de avaliação e confronto com novas realidades, lega a 2018 seu espírito: reformular.
Clecy Ribeiro
Jornalista, professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso, RJ