A preparação de Platão

Antes de tudo devo, em respeito ao leitor(a), confessar que só pouco antes de concluir este artigo passei a achar que o anterior desta série, intitulado “Em busca do rei-filósofo”, publicado na edição de março, furou a fila. Ou seja, no meu entender não deveria, pela ordem que considero correta, ter sido publicado antes do presente artigo. Pode ser que este escriba esteja sendo exageradamente escrupuloso. Pelo sim, pelo não, apresento aqui minhas desculpas.

Educação do guerreiro belo e bom

De acordo com a tradição da nobreza ateniense, a educação clássica dos jovens aristocratas obedecia ao seguinte regime: o ginásio, para a formação do guerreiro belo (na Grécia antiga, ginásio era o local onde se praticavam exercícios físicos e treinamento militar); e, para a formação do guerreiro bom, a música e os poemas de Homero e de Hesíodo – os dois grandes poetas gregos.

Aprendiz de retórica

Ao mesmo tempo que cumpria esse regime educativo, Platão – que como qualquer jovem de seu tempo e como todo aristocrata sentia-se destinado à política e a lutar pelo poder – houve por bem aprender retórica com os sofistas. Dominar essa arte, em que os sofistas eram mestres e pela qual cobravam caro, tornara-se, então, indispensável aos moços que aspirassem a um futuro de sucesso na vida pública. Com a morte de Sócrates pelo regime político da época, porém, Platão se desiludirá da política. Relembre-se também que, como já foi dito em artigo anterior, ele se tornará o mais severo crítico da sofística.

Aluno de Crátilo e de Sócrate

Além disso, Platão foi também aluno de Crátilo, por intermédio do qual conheceu as ideias de Heráclito, filósofo pré-socrático, que morrera em 475 a.C. e de quem Crátilo tinha sido discípulo.

Quando tinha 20 anos, Platão passou a frequentar o círculo de Sócrates, até a morte do “tavão” (mutuca, com a qual Sócrates se comparava). Tornou-se o mais importante discípulo do mestre e o guardião de seus ensinamentos, que eternizou por meio dos Diálogos, nos quais Sócrates é o personagem principal. Neles mesclam-se as ideias do mestre e as do ilustre e genial discípulo, de modo que nem sempre é fácil separar o pensamento de Sócrates do de Platão.

A Irmandade Pitagórica

Em Crotona, colônia grega, na Magna Grécia (sul da Itália), cidade onde esteve depois da morte de Sócrates, Platão visitou a Irmandade Pitagórica e fez amizade com os membros dessa instituição. No período em que aí se demorou, interessou-se pela filosofia de Pitágoras e pelos avanços da matemática devidos a esse famoso pré-socrático, que morrera em 497 a.C. Esses ensinamentos, passados a Platão pelos pitagóricos da Irmandade, marcaram-no de tal maneira que, posteriormente, inscreverá no pórtico da Academia a ser fundada por ele: “Não entre aqui quem não ama a matemática”.

Foi, ainda, com os pitagóricos que Platão, certamente, tomou conhecimento da filosofia de Parmênides, outro importante pensador pré-socrático, que morrera em 460 a.C.

Valiosa contribuição

Platão estava, então, preparado para legar à filosofia e à literatura do Ocidente os seus Diálogos, forma literária adotada por ele para escrever sua obra.

Partindo então dos ensinamentos de Crátilo, de Sócrates e dos pitagóricos, e ampliando o alcance da dialética socrática, Platão criará o “primeiro sistema completo de filosofia espiritualista produzido pelo pensamento humano”, que vai solucionar a crise do conflito Heráclito-Parmênides, impasse com que se deparara a filosofia, e atacar, como alvo principal, as doutrinas sofistas.

A valiosa contribuição platônica para a cultura ocidental abrange tão vasto campo de temas importantes que deu origem à famosa frase de Alfred North Whitehead (1861-1947), filósofo e matemático britânico, que afirma (exagerando, sem dúvida): “Toda a filosofia do Ocidente não passa de notas de rodapé aos escritos de Platão”.

Os Diálogos

Essas obras do filósofo são apresentadas, geralmente, obedecendo à seguinte ordem:

• Diálogos da juventude: Apologia de Sócrates (relato da defesa de Sócrates refutando as acusações feitas a ele pelo tribunal de Atenas); Críton (sobre a virtude, o elogio da moral e a filosofia como missão); Cármides (sobre a prudência, ou a sabedoria); Crátilo (sobre a linguagem e contra o verbalismo); Eutidemo (contra a erística, ou seja, o discurso estéril e sem busca da verdade); Eutifron (sobre a piedade); Górgias (sobre a retórica como mentira, adulação e veneno); Hípias Maior (sobre a beleza); Hípias Menor (sobre a beleza. Retrato crítico do sofista como máscara); Laques (sobre a coragem); Íon (sobre a Ilíada ou os rapsodos); Lísis (sobre a amizade); Menexeno (sátira contra a retórica); Mênon (sobre a virtude e o saber); Protágoras (sobre o ensino da virtude).

• Diálogos da maturidade: Parmênides (sobre o Ser); Fédon (sobre a imortalidade da alma); Fedro (sobre a linguagem e a retórica); República (sobre a justiça na ética e na política); Banquete, ou Simpósio (sobre o amor); Teeteto (sobre a ciência e as artes).

• Diálogos da velhice: Filebo (sobre os fundamentos da ética); Sofista (sobre o sofista); Político (sobre o político e a ciência espiritual dos laços); Timeu (física e cosmologia platônicas); Crítias (o Estado agrário como Estado ideal, em contraste com o imperialismo comercial de Atenas, figurada no diálogo como Atlântida); Leis (o ideal político adaptado às condições concretas).
Os textos de Platão não revelam apenas seu saber, mas também seu grande talento na arte de escrever. Era, a um só tempo, um filósofo e um poeta expressando-se por meio de diálogos “em que a beleza e a verdade se davam as mãos”.