Siga o dinheiro…

Siga o dinheiro…
Ano de eleições legislativas nos Estados Unidos, 2018 encontra o país dominado pela palavra mágica do presidente Donald Trump: negócios. Primeiro princípio do conceito que norteia a Casa Branca de agora, qual seja o conceito nacionalista de ‘A América primeiro’. Já então cercado do desmantelamento do legado Obama, paralisia administrativa, acrimônia.
A ‘mão estendida’ aos democratas, para o trilionário plano de infraestrutura, sequer mascara as pouco sutis insinuações: eles seriam responsáveis por abrir fronteiras à imigração em cadeia e à criminalidade colateral, ao tapete vermelho de entrave à execução de projetos, à morosidade no crescimento econômico. E o que mais? É só seguir o dinheiro.
Em mais uma opinião (independente), agora partindo das bandas orientais – Malak Chabkoun, agência Al Jazeera –, reafirma-se o óbvio. Trump alenta os negócios, a maioria pessoais, e a guerra inacabada ao terror. Com um círculo estreito de assessores, refratários aos melhores economistas, os admitidos na Ala Oval são homens de negócios que ganharam bilhões de dólares, milhões que sejam, no mercado livre. E nem tanto comprometidos com ideologia, alerta Spiegel Online: uns pró-protecionismo, outros pela globalização; uns aceitando regulamentos a indústrias-chave, outros contra; uns arquiconservadores, outros liberais. Na equipe presidencial, um lobista propõe reintroduzir o padrão ouro, um bilionário da indústria petrolífera assessora em política energética, Wall Street celebra a ressurreição. Os descontentes de ontem anseiam por um impulso e aceitam quaisquer meios visando ao amanhã.
Mas nem tudo é relativo a Donald Trump, lembra Robert Malley (presidente e executivo do Grupo Internacional de Crise, ex-assessor especial da Casa Branca, ‘Foreign Policy’), evocando  a difusão de poderio, a militarização crescente dos anos recentes, o encolhimento do espaço diplomático. Não são novidade e têm vida longa, além de qualquer ocupante da Casa Branca. A tendência ao isolamento antecede 2003 e a guerra do Iraque, na tentativa de reequilíbrio. Fora-se a supremacia dos anos 1990; a fadiga chegou e, com ela, o declínio. As trincheiras de agora seriam tão só uma questão de “nível” de tropas americanas servindo no exterior. Pois a militarização não passa de uma ‘continuidade’: “Trump gosta de generais e despreza diplomatas”. Nas zonas em conflito, constata Malley, luta-se mais do que se fala, e isso implica violar normas internacionais. A retórica do contraterrorismo passou a dominar a política externa, em teoria e prática, e a permissividade ao uso da força. A geopolítica entra no jogo, acirrando rivalidades regionais e a fragmentação/proliferação de grupos armados.  No Afeganistão, se é que é possível, cresce a privatização da guerra. O Talibã, hoje, controla mais território que em 2001, ano da invasão americana.
Negócios Um ganho: fim do controle territorial do Estado Islâmico no Iraque e Síria, concedendo aos Estados Unidos e Arábia Saudita ficar de olho no Irã. Por ali, há também o interminável conflito no Iêmen. E os negócios. Ryad foi a primeira viagem internacional de Trump eleito, quando registrou oito empresas suas. Acordos de US$ 350 bilhões, mais projetos nos Emirados Árabes Unidos (aliado), onde já exibe um campo de golfe, enquanto outro se constrói. Os tweets são uma forma rápida de comunicação. Exemplo: “Apreciaria muito a Arábia Saudita fazer seu IPO da Aramco com a Bolsa de Nova York. Importante para os Estados Unidos”. (IPO-Nasdaq Inco.)
O ‘não’ ao multilateralismo de Trump teria a ver com sua opção a “largar a carga”, ao contrário do “partilhar a carga”, de Obama. Entram, no topo, a ameaça de guerra nuclear na península coreana e a renegociação do acordo nuclear com o Irã. Outro estopim, segundo Malley, é o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Mesmo antes de eleito, já entrava nas considerações (premonição?) de Trump. Israel é um de seus bons amigos de negócios. Os vínculos datam dos anos 2000, quando tentou comercializar bebidas esportivas e investir em terreno para campo de golfe. Uma das famílias mais ricas de Israel é apresentada como grande investidor, em negócios a cargo do assessor sênior e genro, Jared Kushner. O proposto muro no México para conter a imigração, orçado em US$ 25 bilhões, aparece, já, ligado à empresa israelense de segurança Elta North America. Afinal, esta e outras vendem soft-espia ao governo Peña Nieto. Também com a China, a visita de novembro 2017 gerou grandes negócios – mas pouco progresso quanto ao déficit comercial. Com cerca de cem marcas registradas no país, a organização Trump vende produtos livremente em território chinês e, nos Estados Unidos, alguns produtos da marca, produzidos na China.
Novembro logo chega, carregado de informação sistemática, aos extremos de “guerra” no espaço cibernético. Põe à prova o divisionismo já conflagrado, inclusive entre os trumpistas. Traz respostas externas às decisões, absolutamente pessoais de Donald Trump, e seu impacto.
Livro-relato de nove meses do governo, ‘Fire and Fury’ retrata a Casa Branca atual como caótica, submersa numa tempestade política, a mais extraordinária desde Watergate, nas palavras do autor Michael Wolff. A julgar pelo que conta (e as fontes parecem insuspeitas, tal como ele mesmo, com mais seis obras de lastro, afora prêmios), a presidência pende de decretos e tweetts.
O senador Tim Kaine, democrata que disputou a indicação a vice na chapa de Hillary Clinton, citado pelo analista William Roberts, deplora: “Trump solapa a diplomacia, afasta-se dos acordos, desfalca o Departamento de Estado, não designando embaixadores, tweeta coisas ridículas mesmo contra seus próprios diplomatas. Está minando a diplomacia a cada passo”.
Pois é, senador. Foi-se o ‘soft power’. O poder econômico-militar, sem freios nem peias, muito ao gosto de “a lei do mais forte é sempre a melhor”, é quem faz amigos e inimigos, também uma escolha absolutamente pessoal.
Em marcha, assim, o sonho americano de Donald Trump, acalentado por investigação em curso, pelo FBI, sobre a campanha eleitoral e influência da Rússia. Envolve, além do próprio presidente, filha e genro (principais assessores políticos), e o pai deste, preso em 2005 por chantagem, para evitar testemunho sobre sonegação de impostos. Tudo gira em torno do ‘show business’, endossam informações vazadas, divulgadas pelo New York Times. Citam-se, no caudal, o gigante chinês Anbang Insurance Group e uma mineradora israelense de diamantes – e seus vínculos com a Rússia.
Stephen Bannon, que sucedeu ao fundador da ‘Breitbart News’, estrategista chefe da campanha, feito primeiro membro sênior da equipe na Casa Branca, é também um que segue o dinheiro. Expurgado em pouco tempo, ora começa a espalhar, aqui e ali (‘Fire and Fury’), que há 33,3% de chances para o impeachment de Trump, como resultado da investigação do FBI; 33,3% de renunciar, sob ameaça do Gabinete de invocar a Emenda 25, incapacidade; 33,3% de arrastar-se, coxeando, até o fim do mandato. Espaço aberto para ele próprio, Bannon, nas eleições 2020: Bannon presidente.
Mal dos pecados, nada que a civilização humana desconheça. Mas violentam o quem, o como e as dimensões de uma presidência que, assim, pensa em soerguer um império decaído.
Clecy Ribeiro
Jornalista, professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso, RJ