Há muita confusão na conceituação do que seja misticismo. Nosso mestre Luiz de Mattos teve que lidar com o misticismo reinante à época e se esforçou com muito esmero para livrar-se dele, assim como a filosofia Racionalismo Cristão. Conexo com o misticismo existe o verbo mistificar, que os dicionários registram como: fazer (pessoas incautas, alguém) crer em uma mentira ou em algo falso, abusando de sua credulidade; enganar, ludibriar, iludir.
Sabemos que todos os seres humanos têm mediunidade intuitiva inata. Com esse conhecimento podemos dizer que misticismo é a mediunidade usada sem conhecimento de causa, muitas vezes para iludir incautos. Quando tais pessoas percebem isso e se dão à prática de exercícios de meditação sem procurar conhecer as causas que não estão reveladas ou não estão ao seu alcance, se mantiverem certo controle da vontade, podem tornar-se místicas apoderando-se de visões e mensagens, julgando-se predestinadas. Isso acontece em todas as religiões e doutrinas secretas ou esotéricas.
Os místicos, muitos deles conhecidos com o nome de gurus, consideram-se em conexão com guias e conselheiros espirituais, e se dizem até porta-vozes de Deus, fazendo disso profissão. Dizem-se portadores do que não é material, de mensagens divinas ou inspiradas por Deus. O materialismo define o misticismo como sendo fenômeno pelo qual as pessoas são capazes de conhecer aquilo que se entende por Deus de maneira direta e particular. Muitas igrejas instituem rituais místicos propalados de utilidade variada.
Conceituação de mística. Os filósofos entendem que a mística é uma atitude pessoal e está focada na realização de uma atividade de natureza espiritual que visa a unir a alma humana com a divindade, isto é, com Deus ou Inteligência Universal que governa o Universo. Era assim que a escola neoplatônica de Plotino (205-270), no século III, entendia e buscava a iluminação interior da alma, aprofundando-se na inteligência intuitiva e não na inteligência exclusivamente racional. Os filósofos neoplatônicos buscavam algo que não se podia apreender com os sentidos físicos, que não podia ser expresso por palavras, mas que podia ser sentido, pelo menos, pelas pessoas mais sensíveis e intuitivas.
Misticismo católico cristão. Logo após a morte declarada de Jesus começaram a surgir místicos que se identificaram com as verdades pregadas por ele na Galileia, hoje Israel. O primeiro deles foi do apóstolo Paulo de Tarso (5-67), que declarou ter uma relação direta e especial com o Cristo. Mais tarde, seguiram-se Orígenes de Alexandria (185-254), asceta e teólogo cristão, e outros religiosos de seu tempo que entendiam ter relação direta com o Verbo – princípio único inteligível, organizador de todas as coisas do Universo. Dando um pulo no tempo, encontramos Bernardo de Claraval (1090-1153) e os religiosos do mosteiro de Saint Victor, entre eles, destacando-se São Boaventura (1218-1274), que identificou a própria vida com a Paixão de Cristo. Entre os dominicanos alemães medievais encontramos o mestre Eckhart de Hochheim (c.1260-1328), que utilizou elementos teológicos e especulativos. Mestre Eckhart fazia sua conexão com Deus através da alma de Cristo. Sua mística e seus livros são respeitados até os dias de hoje.
Nas comunidades religiosas holandesas surgiu o misticismo flamengo, com destaque para o místico Jan van Ruysbroeck (1293-1381), relacionado aos dominicanos, com a chamada “devoção moderna” de religiosidade simples e piedosa, diferente da intelectualidade da filosofia escolástica (São Tomás de Aquino, com sua obra Suma Teológica, que discute os dogmas e conteúdos da fé católica). Ruysbroeck influenciou Erasmo de Rotterdã (1466-1536) e o próprio Lutero (1483-1546). A obra que traduz seu espírito característico é a Imitatio Christi (Imitação de Cristo), escrita por Tomás de Kempis (c.1380-1471), um dos livros mais lidos do cristianismo ocidental. Todos os citados foram místicos de vida austera.
Na Espanha do século XVI encontramos Santa Teresa de Ávila (1515-1582), São João da Cruz (1542-1591) e Juan de Los Ángeles (1536-1609), todos místicos, grandes espíritos religiosos e também grandes escritores.
Na França encontramos Joana D´arc (1412-1431) e São Francisco de Salles (1567-1622), este influenciado pelas ideias do Iluminismo. No século XVII, também na França, destacamos São Jean-Jacques Olivier (1608-1657) e a carmelita Marie de L´incarnation (1599-1672).
Finalmente, no século XX houve muito debate no Catolicismo a respeito da mística que acabou definindo o místico como a pessoa possuidora da graça especial concedida por Deus aos eleitos e, para outros, como fruto natural da vida católica.
Misticismo protestante cristão. O protestantismo, que surgiu com a Reforma, desenvolveu várias tendências místicas através da filosofia de Jakob Böhme (1575-1624) e do pietismo dos séculos XVII e XVIII, praticado pela seita dos irmãos morávios, sob a liderança de Nikolaus Ludwig Zinzendorf (século XVIII). Destacamos, ainda, a revificação mística, que teve como principal o místico Gregório Palamas (século XIV), para quem Deus se manifesta em pessoa no corpo do fiel.
Difundiu-se no Oriente cristão a mística bizantina com adeptos na Rússia dos séculos XVIII e XIX através dos monges ascetas (startsy, plural de staretz), modelada segundo o estilo dos eremitas dos desertos do Egito, Síria e Palestina. Destacamos aqui a figura do monge Serafim de Sarov (1759-1833).
No mundo ocidental, o livro Relato de um peregrino russo destaca a figura de um staretz. Esse livro foi editado a partir de um manuscrito encontrado em um mosteiro ortodoxo russo, de autor desconhecido, que conta experiências místicas ao longo de toda uma vida de ascese e busca de Deus.
Misticismo no judaísmo, no islamismo e no budismo. Aqui destacamos as visões dos profetas do Antigo Testamento e as visões apocalípticas do judaísmo pós-bíblico. Em termos de ocultismo, citamos a Cabala, que teve como obra mais significante o Zohar (Livro do esplendor), divulgado no século XIII. Esse livro descreve a vida íntima de Deus e transmite conhecimentos ocultos que incutem a fé nele.
A prática mística do Islamismo se dá através do Sufismo, que prega a união pessoal com Deus por meio de vários procedimentos místicos, que permitem proporcionar uma avaliação da natureza do homem e de Deus, facilitando a experiência da presença do amor e da sabedoria divina na Terra.
Entre os vários ramos do Budismo, o Zen Budismo difunde a percepção que todo ser humano deve ver-se separado do mundo, com muito estudo e prática a ponto de atingir a iluminação, pois só assim o ser se vê integrado a todos os seres vivos. Nessa condição, todos fazem parte dele e ele faz parte de todos, não é mais uma consciência individual, e passa a pensar como sendo uma consciência coletiva interligada aos demais.