Em consequência do incipiente nível de interesse da sociedade contemporânea por assuntos autenticamente espiritualistas e do deficitário grau de conhecimento do público geral em relação aos aspectos transcendentes da vida, temos uma sociedade cada vez mais individualista, dividida e, por conseguinte, alienada de seu valor e de sua missão. Eis o porquê de tratarmos desse relevante tema na presente reflexão.
O vocábulo “transcendente” vem do latim transcendens – “que ultrapassa”, “que vai além”. Em geral, significa aquilo que, em princípio, é inacessível ao conhecimento empírico ou não se baseia na experiência sensorial. Tem raízes no neoplatonismo e equivalentes na filosofia moderna, onde foi usado para caracterizar as coisas em si mesmas e para definir um princípio fundamentalmente desconhecido que existe de forma independente à consciência. Em uma interpretação mais ampla, a transcendência significa a transição da fronteira entre duas áreas ou campos diferentes.
No campo de nossos estudos, com base nos ensinamentos do Racionalismo Cristão, o termo “transcendente” pode ser usado, em determinados contextos, como sinônimo de “espiritual”, de modo que a expressão “realidade transcendente”, por exemplo, equivale a “realidade espiritual”, “realidade metafísica”. Não tomamos tal conceito como a possibilidade de um campo existencial paralelo à realidade física, pois sabemos que todos os níveis de realidade se interpenetram e se complementam, formando uma unidade indissociável.
Quando o ser humano presume que o panorama existencial se limita ao que ele pode captar por seus limitados sentidos físicos, experimenta a angústia própria da visão imanente e reducionista que, no mais das vezes, o afasta da autoconsciência e o impede de reconhecer o valor da intuição. Pode o ser humano estudar a si mesmo e o mundo a sua volta de diferentes ângulos, mas não chegará nem perto de conhecer-se realmente se desprezar o elemento espiritual que, transcendendo a realidade material, dá a está sentido, suporte e movimento.
As atitudes éticas e elevadas, os hábitos virtuosos e despojados de preconceito revigoram os ânimos, restauram as forças, iluminam as mentes, prodigalizam talentos e religam o ser humano com a espiritualidade, cuja beleza, sublimidade e elevação o estimulam a buscar cada vez mais a justiça e a solidariedade, a compreensão e a integridade. Esses são valores substancialmente transcendentes, que se realizam na vida do ser humano quando ele se liberta das amarras do materialismo e do pensamento obscurantista.
Os conceitos racionalistas cristãos possuem um sentido e um alcance que, ultrapassando as concepções acadêmicas, representam para o ser humano aberto ao transcendente uma fonte de justiça, amor e alegria a que ele adere com desvelo, interpelado pela consciência do que é correto e justo em consonância com as exigências morais de nosso tempo. A ruptura com esses valores deságua dramaticamente em revoltas e desordens, quer em âmbito individual, quer coletivo. Daí resulta a importância não apenas de analisarmos a espiritualidade, mas de vivenciá-la cotidianamente.
Estudar os ensinamentos do Racionalismo Cristão e absorver conteúdos elevados consiste, inegavelmente, em um valor, mas tais atitudes podem também ser consideradas um dever moral universalmente válido, tanto na defesa da dignidade humana quanto na promoção da autoconsciência. Precisamente nesse ponto repousa a importância deste tema. Com certeza, em todas as épocas, povos e culturas são enaltecidas a sinceridade, a honestidade, a ética, a coragem e a sabedoria. Ora, o que são esses valores, senão conteúdos transcendentes? Vamos absorvê-los e praticá-los!
Muito Obrigado!