É sabido que, a linguagem, como meio de expressão do pensamento, passa por constantes mutações, a exemplo de todo organismo obediente à lei da evolução.
Assim é que, os idiomas, sofrendo as injunções do progresso, vão sendo enriquecidos pelos neologismos, do mesmo modo que têm, de tempos a tempos, retirados da circulação, termos e expressões que, por uma sutil questão de fenomenologia linguística, caem em desuso.
Mas, por outro lado, é bem que se diga que tudo isso se processa dentro de princípios normativos, erigidos numa das mais importantes ciências como soe ser a da gramática.
Daí, não estar ao arbítrio de qualquer um introduzir-lhe modificações sem que, antes, recebam a sanção pelo menos da maioria dos consagrados filólogos, para que, afinal, seja disciplinado o seu uso com a sua consubstanciação em texto de lei.
Sucede que, de há certo tempo, vem parte da nossa imprensa correndo para a subversão de elementares regras de linguagem, permitindo que se grafem nomes próprios, bem como se iniciem períodos com letra minúscula.
Tanto é maior tal absurdo quando é notório que se tem verificado com frequência, através de suplementos literários.
Os literatos sopesam enormes responsabilidades perante a coletividade, visto que são, por assim dizer, os dinamizadores da língua, ciosos pois, que têm que ser, da observância do vernáculo, máxime em nosso caso, fiéis à tradição de um Vieira, de um Castilho, de um Camilo, de um Rui, para não citar tantos outros mestres que dignificaram e engrandeceram, quer pela pena, quer pela palavra, esse tesouro inestimável de que nos cabe a glória de sermos depositários – o idioma português.
Imagine-se só a confusão, a dúvida que essas infelizes inovações lançam no espírito ainda em formação das crianças, por isso mesmo, sem ter a sua capacidade de discernimento desenvolvida para aquilatar de tamanhas incoerências.
Ainda bem que os responsáveis por tais destemperos constituem minoria sem expressão nos meios literários.
Entretanto, o que de qualquer modo constrange as consciências bem formadas é verem essas sandices veiculadas por um ou dois dos nossos tradicionais órgãos de imprensa, considerados mesmo uma glória autêntica do jornalismo pátrio.
Problema cresce de gravidade quando se considera que, a despeito dos ditos suplementos literários circularem, apenas, uma vez por semana, a televisão, contudo, em vários programas, repete esses dislates, inúmeras vezes, o que faz com que mais lavre a indecisão, o erro, no espírito daqueles mais desavisados em questões de linguagem.
Há para aí até obras literárias espelhando logo nas capas, em letras de forma, esses reprováveis e tristes exemplos de desamor aos cânones do linguajar escorreito.
Já se vai generalizando, entre nós, o conceito não muito lisonjeiro de que os nossos estudantes não nutrem grande entusiasmo pelo estudo do português, a julgar-se pelas reprovações em massa que, frequentemente, têm sucedido em exames elementares da matéria.
Urge, pois, que não concorramos pelos maus exemplos, endossando tolas inovações, para que não venha a se acerbar, ainda mais tal crise do aprendizado do nosso idioma.
Vai daqui, portanto, um apelo veemente aos responsáveis por tão importantes órgãos de divulgação que oponham tenazmente um dique a essa invasão de “existencialistas”, não diríamos de ditadores da “bossa nova”, mas sim da “boçalidade”, nos domínios daquilo que constitui para nós um patrimônio inviolável – o nosso exuberante idioma – pela pureza e integridade do qual havemos de, incessantemente, lutar se é que temos empenho em conservarmos os foros de uma nação civilizada e culta.
Publicado em 15 de janeiro de 1961.