Realização e plenitude

As crises que ganham corpo na atualidade põem em xeque a tão disseminada ideologia materialista, que reduz o viver humano às disputas, às exterioridades, ao consumo, ao prazer e ao lucro, em flagrante desrespeito não apenas à natureza e aos ecossistemas, mas, sobretudo, à essência espiritual que estrutura inequivocamente o ser humano e lhe transmite uma dignidade inalienável e imperecível. Na defesa de tão alta dignidade é que estruturamos a presente reflexão.

A vida concebida como uma série de movimentos que buscam apenas o interesse próprio, a satisfação dos sentidos e a aquisição de bens, não dá conta de fornecer ao ser humano os subsídios de que ele necessita para sua realização e plenitude. Um modus vivendi que despreza as demandas do espírito e a necessidade de desenvolvimento constante de seus atributos gera indubitavelmente perturbação psíquica, patologias as mais diversas e a consequente desorganização da própria sociedade.

A conquista de bens materiais, de postos, de status, de honrarias, não deve ser desprezada e tampouco tida como referência máxima. Logo, tais conquistas não têm sentido pleno se analisadas isoladamente, pois a relação entre o “ter” e o “ser” não é constitutiva, mas hierárquica, ou seja, em primeiro lugar está o ser – o espírito com seus valores absolutos – depois os bens materiais que devem, por seu turno, ser compreendidos como instrumentos para o aperfeiçoamento do ser humano e não como algemas ou grilhões que lhe tolhem a expressão autêntica de seus mais genuínos sentimentos.

Somente o caminho do autoconhecimento, que produz paz interior e harmonia, equilíbrio e ordem, conduzirá a sofrida humanidade à percepção do campo de possibilidades imensuráveis que é o espírito, e que, essencialmente presente em todas as pessoas, anseia por desenvolvimento e por expansão cada vez maiores.

As coisas materiais que nos circundam e que percebemos pelos sentidos físicos não refletem a realidade de forma integral, não englobam a totalidade dos aspectos que nos afetam diretamente. Nem mesmo a linguagem humana, que opera uma verdadeira produção de sentidos, é capaz de avaliar a dimensão espiritual que tudo interpenetra e sustenta. Por essa razão, o ser humano jamais será pleno ou realizado se direcionar sua atenção e energia apenas para os aspectos exteriores da vida. É imperioso que ele volte para dentro de si sua atenção, escute sua voz interior e descubra o manancial de força que possui.

Embora as pessoas sejam constantemente influenciadas por concepções compartilhadas pelo grupo social, que nem sempre visam ao bem-estar da coletividade, cada qual possui a faculdade do livre-arbítrio para escolher os conteúdos que julgue de maior relevância para estruturar racionalmente a própria vida. Recategorizar os padrões impostos pela contemporaneidade, com discernimento e lucidez, é condição fundamental para o estabelecimento e a manutenção da saúde psíquica.

Quando falamos, na introdução desta sintética reflexão, sobre a dignidade do espírito e a necessidade constante de reafirmá-la, fazemos referência à necessidade de se desenvolver, por meio do estudo da espiritualidade como é proposta pelo Racionalismo Cristão, um efetivo deslocamento da atenção e das escolhas da sociedade atual. É preciso que os seres humanos abandonem os reducionismos e preconceitos próprios de visão superficial das coisas e dos processos, e mergulhem dentro de si mesmos, não com o propósito de se isolarem da vida, mas, pelo contrário, com a finalidade de penetrarem na própria essência da vida.