Um país em chamas

Já não há baloeiros a quem culpar pelos grandes incêndios no país, embora ainda não haja terminado a caça às bruxas, como se os balões tivessem sido os grandes vilões incendiários e consequentemente responsáveis pelas vítimas fatais ou não das chamas. Na verdade os maiores e mais cruéis incêndios urbanos no país foram causados por imprudência ou desleixo humanos. Na maioria dos casos a causa foi a falta de manutenção de instalações elétricas de edifícios comerciais; em outros, igualmente de grande gravidade e elevado número de mortos e feridos, a causa foi a mão de um incendiário louco, por motivos diversos, desde a inocente pretensão de emocionar e satisfazer plateias até atos inconsequentes por sede de vingança.

Além dos incêndios em cidades, o país tem sido violentado pelas queimadas ilegais e fora de controle, cujos prejuízos se distribuem por grandes áreas distantes do foco do fogo, que muita vez só amaina com a chegada da chuva, a única aliada natural da preservação do verde. Hoje a população sofre as consequências de inúmeros incêndios que brotam em vários pontos, destruindo a mata e com ela seus habitantes, toda sorte de animais: aves, feras, roedores e ofídios.

Falta de chuva. O Brasil atravessa um período de pouca pluviosidade. Todo ano, nessa época, se comenta o caso da combustão espontânea a partir da vegetação rasteira, sacrificada pela falta da rega natural, ora por um caco de vidro intensificando o calor dos raios solares, ora uma guimba lançada pela janela de um automóvel. Presentemente, porém, as fogueiras chamam a atenção e, quando o número de focos de incêndio começou a crescer, nos gabinetes governamentais tocou o alarme advertindo as autoridades de que ocorria algo estranho que rapidamente se punha fora de controle: em toda parte o fogo se alastrava até áreas em que só podia ser combatido pelo ar, tão difícil é o acesso até elas.

Algumas cabeças arejadas entenderam que incendiar o país era um objetivo orquestrado, acrescente-se, por alguém ou grupo interessado em desestabilizar o governo. A partir de então, denúncia aqui, flagrante ali, o cerco foi fechando-se e algumas pessoas, paus mandados, acabaram presas sob a acusação de provocar os incêndios florestais. Os mandantes? Estão por aí, divertindo-se.

A lei estabelece multa e cadeia para incendiários, mas quem assumirá e compensará os prejuízos deixados em meio às cinzas? Será que o cumprimento de alguns anos nas prisões/spas devolverá ao país florestas formadas há séculos? As leis punitivas do Brasil precisam de correção. Se no caso de incêndios florestais, com a destruição de biomas, muitos deles irrecuperáveis, seus algozes nada ou pouco sofrem, como dimensionar o castigo a ser aplicado a quem rouba a vida de semelhantes com a abominável prática incendiária?

Os mais graves. Para que sirva de advertência e exigência de mais atentos cuidados, temos aqui alguns dos maiores incêndios urbanos deste país:

Gran Circo Norte Americano. Em número total de vítimas, o incêndio criminoso do Gran Circo Norte Americano, montado em Niterói, estado do Rio de Janeiro, foi o maior desastre: um ex-funcionário do circo, demitido sob acusação de ter problemas mentais, vingou-se ateando fogo à lona em 17 de dezembro de 1961, provocando a morte de 503 pessoas e ferimentos em mais de 800, a grande maioria crianças.

Boate Kiss. Em 27 de janeiro de 2013, durante uma festa na Boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, o vocalista da banda que se apresentava acendeu um sinalizador que fazia parte de um show pirotécnico. As faíscas causadas atingiram a espuma do teto, responsável pelo isolamento acústico do local, e assim se iniciou a tragédia. Em apenas três minutos, a boate foi tomada por fumaça contendo cianeto, substância letal, responsável por grande parte das 242 mortes e ferimentos em 680 pessoas, a maioria estudantes universitários e adolescentes. A boate não possuía protocolo de segurança contra fogo, nem aprovação pelo Corpo de Bombeiros.

Edifício Joelma. O caso Edifício Joelma é um dos mais conhecidos. Em fevereiro de 1974, um aparelho de ar condicionado localizado no 12º andar do prédio comercial de 25 andares entrou em curto-circuito, causando um incêndio de enormes proporções, alimentado por materiais inflamáveis como carpetes e cortinas. O local não possuía qualquer suporte em caso de incêndio: nem alarmes ou saídas de emergência: foram 191 mortes e mais de 300 feridos.

Ninho do urubu. Em 2019, o alojamento de adolescentes aspirantes a jogadores de futebol profissional do Flamengo, no centro de treinamento Ninho do Urubu, Rio de Janeiro, pegou fogo a partir de um curto-circuito no ar condicionado do local, que não possuía medidas preventivas contra incêndio. Dez meninos morreram e três sobreviveram com queimaduras sérias. (JBA)