O estudo da espiritualidade divulgada e defendida pelo Racionalismo Cristão, quando realizado com responsabilidade e afinco, permite à inteligência humana perceber de imediato a importância de uma conduta impecável, a virtude de agir com equilíbrio e equanimidade, enfim, a fecundidade relacionada a um estilo de vida reflexivo e ao mesmo tempo dinâmico, otimista e digno, capaz de valorizar a amizade e exaltar as boas ações não apenas com palavras, mas também com atitudes efetivas. Nessa perspectiva, achamos por bem analisar, nesta reflexão, o tema da fraternidade, focalizando-o a partir de uma perspectiva dilatadora e surpreendente.
No contexto da sociedade em que vivemos, denominada por alguns estudiosos de pós-moderna, tão inclinada a relativizar cada vez mais a experiência da fraternidade, obscurecendo valores fundamentais e exaltando a vaidade, o egoísmo, a disputa e o confronto, a pandemia de covid-19 nos deixou muitos ensinamentos, sobretudo o quanto dependemos uns dos outros e o quanto amadurecemos ao encarar de frente e com boa disposição os desafios da vida, olhando para o próximo como um semelhante, e não como um adversário ou algoz.
A fraternidade analisada à luz da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão torna-se muito mais ampla do que sua definição dos dicionários, muito mais significativa do que os estudos acadêmicos que a orbitam. De fato, gera conclusões que ultrapassam a essência contida no terceiro conceito introduzido pela Revolução Francesa a partir da trilogia Liberté, Egalité, Fraternité. Contudo, a fraternidade concebida pela espiritualidade não se reduz aos aspectos exteriores da amizade, do bom convívio e da camaradagem, mas suscita sentimentos elevados e sublimes, que demonstram que os seres humanos guardam uma essência comum e que, portanto, um é extensão do outro.
Sem dúvida, necessitamos desenvolver uma mentalidade social que rechace o preconceito e todas as formas de abuso e dominação, que combata a discriminação pejorativa e irracional e que fomente de maneira eficaz iniciativas capazes de promover a dignidade humana e os projetos que se preocupam com os direitos das mulheres, dos deficientes, dos idosos, dos desguarnecidos, enfim, de todos os segmentos da sociedade historicamente menosprezados. Contudo, o que mesmo os grupos bem-intencionados não percebem é que, sem um fundamento transcendente e um conceito espiritualista de fraternidade, dificilmente conseguirão alcançar seus objetivos.
O primeiro passo para a vivência espontânea e autêntica da fraternidade é a consciência de que todos estamos interligados, de que os fatos e fenômenos que se desenrolam no mundo concorrem, em última análise, para o bem comum. Sem conceber a vida como uma oportunidade de crescimento, o ser humano não conseguirá compreender a humanidade no que ela tem de mais valioso: a diversidade, a amizade e a fraternidade. É esta última que enlaça as pessoas e as aproxima de forma admirável.
Muitas pessoas se animam, em um primeiro momento, com a ideia da ação fraterna, sentindo-se inclinadas a agir com solicitude e fraternidade. No entanto, acham que só poderão ser realmente fraternas quando sua vida estiver menos tumultuada, durante a vivência de uma situação de maior estabilidade. Ledo engano! É em meio às situações mais inesperadas e mesmo nos momentos de crise que devemos ativar o senso de fraternidade, para que nossas intenções e ações sejam produtivas e sobretudo sinceras. Como podemos ser fraternos quando experenciamos um momento difícil? Valendo-nos de nossos atributos espirituais. Sim, devemos lançar mão da inteligência, da sinceridade, da espontaneidade e da criatividade para nos mantermos atentos às necessidades do próximo sem nos descuidar das nossas.
Ao trazer a lume uma criteriosa e abrangente reflexão sobre a fraternidade, queríamos dar acentuado destaque à noção de que podemos ser sempre fraternos, independentemente das circunstâncias, visto que a genuína fraternidade se fundamenta na consciência de que somos oriundos da mesma Fonte e guardamos a mesma essência. Por essa razão, são indevidas as tensões entre tradições diferentes e os conflitos ocasionados por preferências religiosas, sexuais ou culturais. A fraternidade é capaz de transpor abismos e estabelecer ligações que conectam todos os seres humanos, independentemente de qualquer fator externo.
As atitudes altruísticas, que comovem e inspiram as pessoas de bem, são manifestações eloquentes, sólidas e profundas da fraternidade – não da fraternidade materializada, estudada e interesseira, mas daquela fundamentada na solidez da espiritualidade contida nos ensinamentos do Racionalismo Cristão.