Há muitas décadas se dizia que o que acontecesse nos Estados Unidos se refletiria no Brasil, mas não numa linguagem assim tão formal. Eram expressões de muito mal gosto e de conotação pejorativa para ilustrar o reflexo, no Brasil, dos acontecimentos nos EUA. Eis que a grosseira comparação volta à baila, sem-cerimônia, apesar das mudanças na economia globalizada.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) indicou que a inflação acumulada em 2024 foi de 4,83%. Este percentual a coloca não apenas acima da meta de 3%, como supera o teto de tolerância, de 4,5%. Quando ocorre tal fenômeno, o Banco Central (BC) tem que explicar por que não conseguiu manter a meta prevista, ainda que, nesse caso, tivesse feito retornar a taxa básica de juros da economia, a Selic, a 12,25% ao ano.
Entre os fatores principais de preocupação do BC estão a percepção de risco fiscal elevado e as dúvidas sobre a profundidade do ciclo de cortes de juros em curso nos Estados Unidos. Aí está a afirmação da primeira linha deste artigo. A autoridade monetária bem que esparramou dólares mercado afora, mas não conseguiu reverter a alta da moeda norte-americana. Por certo teriam sido necessárias outras medidas, com certeza mais radicais.
Na verdade, fatores climáticos foram decisivos na elevação da inflação, por haverem impactado a produção agricola e até o preço da carne bovina, mas faltaram medidas que os compensassem. Esses mais outros fatores de menor influência na formação do índice de inflação agravaram o sofrível quadro alimentar de grande parte da população brasileira.
Levando em conta que poucos brasileiros entendem de economia ou de economês, lançamos mão de comentários “traduzidos” para o português comum encontrados na internet, dessa desagradável realidade.
A linguagem acadêmica e rebuscada acompanhada de gráficos ininteligíveis ao leigo não interessa ao povão, que quer saber é por que os preços nos supermercados subiram tanto, reforçando o dito “o salário acaba e o mês continua”.
O governo falhou, não importa onde, em que momento, por causas externas ou alheias a sua vontade. O fato é que, em última análise, o controle da inflação deve ser feito pelo governo, ainda que através de seus organismos específicos, cujos titulares ele escolhe e nomeia.
Na berlinda o item Alimentação e bebidas, maior vilão do elevado índice de inflação em 2024, conforme nos informam os burocratas encarregados desse mister. Eles dizem que os maiores impactos vieram desse grupo, que acumulou alta de 7,69% e contribuiu com 1,63 pontos percentuais para o IPCA do ano. As elevações acumuladas nos preços dos grupos Saúde e cuidados pessoais (6,09%) e Transportes (3,30%) também tiveram impactos significativos (de 0,81 p.p. e 0,69 p.p., respectivamente) sobre o IPCA do ano. Juntos, esses três grupos responderam por cerca de 65% da inflação.
São muitos números, capazes de enlouquecer o cidadão que já não consumia contrafilé e que, com o aumento dos preços, não consegue consumir sequer carne de segunda, que já não paga em dia suas dívidas, que já abandonou o plano de saúde e entrou na fila do Sisreg à mercê da consulta “caritativa” do SUS.
A distribuição de cestas básicas não compensa o atropelamento alimentar de 80% da população brasileira, que durante o ano passado comeu menos ou pior, porque a parcela de carentes alcançada pelo benefício é muito pequena em relação à legião de necessitados.
Teoricamente quem come bem paga tais cestas básicas, mas não é bem assim. Elas são pagas pelos impostos recolhidos de quem os paga e estes são os que comem mais ou menos, e não têm como sonegar nem camuflar lucros ou vantagens financeiras que, por natureza, não auferem.
Um observador atento, mas brincalhão, diria: ”Considerando-se que o transporte terrestre ficou muito mais caro, deve-se entender que é mais barato ir para o trabalho ou para a escola de avião, cujas passagens, em 2024, tiveram redução de preço em contraste com as de ônibus e metrô. Nesse contexto conclui-se que o passeio de automóvel deve ficar para outra ocasião, porque a gasolina foi mais uma vilã da alta inflação”.
O dano não para por aí. Em carta aberta ao ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central (BC) afirma que a inflação ficará acima da meta até o terceiro trimestre de 2025. “A inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância em decorrência do ritmo forte de crescimento da atividade econômica, da depreciação cambial e de fatores climáticos, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior. Portanto, a inflação envolveu uma gama ampla de fatores. No sentido contrário, destaca-se a queda do preço internacional do petróleo no segundo semestre do ano”, diz o documento. Falam de causas. Ora, essas causas existiam, avançavam, robusteciam-se, e o resultado já se anunciava na metade do ano, mas não foi evitado.
A previsão do BC, na verdade uma ameaça, é de inflação de 5% em 2025, 4% em 2026 e 3,9% em 2027. Para o primeiro trimestre de 2026, a previsão é de 4,2%, “ainda abaixo do limite superior”, e para o segundo trimestre de 2026, o percentual previsto é de 4%. Desse modo, o BC indica que as projeções para o longo prazo apontam para uma desaceleração gradual da inflação.
Além dessa expectativa sombria, o salário mínimo, com reajuste de 7,5% sobre o de 2024, é de R$ 1.518,00, que pouco adiantará diante do alto valor do dólar, que leva à perspectiva de continuidade da alta do preço dos alimentos este ano, sem aumento do poder de compra do brasileiro em relação ao preço da cesta básica.
A maioria dos empregadores enfrenta dificuldades quer porque estão com a corda dos impostos a apertar-lhe o pescoço, quer por estarem atolados em papagaios bancários para poderem manter em funcionamento suas pequenas indústrias ou comércio, daí não poderem ser generosos.
E segue o processo inflacionário, gigante pela própria natureza, tal qual o Brasil, de rimas mil.