Como uma pessoa concentra tanta prepotência e maldade?

Ao acompanhar estas mal traçadas transformadas em caracteres tipográficos, alguém poderá perguntar: será que um país tão grande como o Brasil não tem assunto que mereça um artigo em A Razão? É preciso buscar tema nos Estados Unidos? Já não basta o espaço, em todos os sentidos, que ocupam, obrigando-nos à incômoda e vergonhosa dependência econômica e, em parte, tecnológica, levando-se em conta que o Brasil é autossuficiente em quase todos os setores básicos, inunda parte do mundo com sua produção agrícola e exporta excedentes em inúmeras áreas? Desta vez, porém, o mote não são os Estados Unidos, mas seu presidente, Donald Trump, recém-empossado,

Com o devido respeito a Sua Excelência, cabe uma análise isenta de suas decisões nos primeiros dias de governo, a começar pela sanha deportatória. Por que tanta vaidade? Tanta arrogância? Tanta violência? Ele se esquece, ou jamais soube, que esse punhado de carne que carregamos – todos: os do Norte, os do Sul, os do Oriente, os do Ocidente, brancos, negros, amarelos, azuis se houvesse – vai alimentar vermes. Este será o fim dos migrantes e também dos que se julgam autóctones. Se Sua Excelência tivesse ao menos alguma noção religiosa saberia que logo nas primeiras páginas do livro preto está registrado “tu és pó e ao pó retornarás”. Não devemos tripudiar da miséria de nossos semelhantes, até porque as posições poderiam ser invertidas: os tranquilões de hoje poderiam ser os miseráveis de amanhã.

Os migrantes não escolheram seu destino. Os EUA os atraíram, com a produção cinematográfica levada ao mundo e com a confortável felicidade vendida na propaganda American way of life, aguçaram o interesse de perseguidos políticos em suas terras, oprimidos, atribulados, famintos, lesados na vida, fugitivos de guerras que não criaram e que buscaram esse paraíso. Que prejuízo poderiam dar ao país e sua população esses infelizes agora tratados como bandidos, escurraçados, caçados em escolas e igrejas? É inconcebível que se deportem pessoas algemadas e acorrentadas como se fossem bichos, em descumprimento a cláusulas de acordos que permitem a deportação, mas exigem respeito à dignidade humana dos deportados.

Levados pela propaganda eles escolheram os Estados Unidos para viver, para trabalhar, para tentar fazer um pé-de-meia e retornar a seus países assim que a situação lhes permitisse. É certo que ambicionavam a fortuna, mas isto era segundo plano. Primeiro conseguir emprego, qualquer tipo de trabalho que lhes desse o mínimo necessário para acomodar a família e alimentá-la. Quando todos os migrantes ilegais forem retirados, quem lavará pratos nos restaurantes e lanchonetes, quem trocará pneus dos automóveis, quem exercerá a função de engraxate, quem serão as diaristas para limpeza de apartamentos e mansões, quem limpará os banheiros?

Nem as crianças escaparam. Em seu primeiro dia de volta ao cargo, o presidente Trump assinou uma série de decretos voltados a combater a imigração – o mais polêmico deles suspendeu a cidadania americana para filhos de imigrantes ilegais nascidos em território do país, ato que causou a indignação de ao menos 22 governadores democratas, que entraram na Justiça contra o governo federal para derrubar a medida.

E não foi somente a paranoia expulsória, que marcou os primeiros dias de governo: Trump imiscuiu-se também nas opções sexuais dos norte-americanos. “Aqui (nos Estados Unidos) homem é homem, mulher é mulher”, afirmou. A entender-se o amplo sentido desse esdrúxulo pronunciamento do presidente, se poderá concluir que muito brevemente os EUA sofrerão considerável esvaziamento populacional, já que, conforme pesquisa Gallup, a parcela de estadunidenses que se identificaram como LGBT em 2022 foi de 7,2%.  Restará a dúvida: os norte-americanos e imigrantes que fizeram suas opções sexuais fora do registro do Gênesis vão aceitar passivamente essa ingerência de Sua Excelência em suas vidas particulares?

Trump retirou os EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU e suspendeu o financiamento à agência para refugiados palestinos. Dois dias depois Israel também anunciou a saída do Conselho. Em seguida Trump impôs sanções ao Tribunal Penal Internacional por investigação contra EUA e Israel. Em novembro, a Corte havia emitido mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa do país.

O presidente estabelece política de ‘pressão máxima’ contra o Irã e ameaça destruir o país em caso de retaliação, e anunciou sanções tarifárias sobre a importação de vários países. Após pressão dos EUA, Panamá anunciou a saída da ‘Nova Rota da Seda’, programa econômico da China. O presidente panamenho rompeu acordo econômico que tinha com Pequim, que usa programa trilionário para abrir novos mercados na América Latina e no mundo, mas negou que tal rompimento tenha sido exigência americana. Consequência dessa barulheira, os futuros dos principais índices de Wall Street começaram a recuar e há temores de uma guerra comercial e seu impacto sobre a economia global. O pior foi a taxação indiscriminada de 25% sobre as importações de aço e alumínio, o que afeta diretamente o Brasil. Neste confronto entre o mar e as pedras, por certo, as maiores vítimas serão os mariscos.

Trump ignora críticas e defende que Israel entregue Gaza (sem palestinos) aos EUA e sugere construir no lugar ‘um dos empreendimentos mais espetaculares da Terra’.