O caso só se resolve mediante pagamento de R$ 600 mil. Fim de papo.
Diversificam-se os métodos, mudam os personagens, avultam-se ou reduzem-se os valores… e as más ações estão sempre presentes, por mais cuidados ou fiscalização que se apliquem. A ameaça que persegue e vitima o cidadão, física ou moralmente, tem vários rótulos, conforme a literatura jurídica específica e os registros nas delegacias policiais. A partir daí e com atenção no noticiário de TV e nos jornais impressos, com tantos casos de violência de variadas formas, é de se imaginar: chegaram ao fim da linha. Não chegaram, porém.
Os gangsters nacionais têm na manga, não uma carta, mas um baralho completo para espalmar diante da sociedade atônita face a tanta variedade de golpes, falcatruas, cambalachos. Surpreende a recente modalidade aplicada no Rio de Janeiro, que ganhou o noticiário e supera todas até então aplicadas, deixando para trás roubo de carros, de cargas, de celulares e até de sacolas de compras nos estacionamentos de supermercados. Atropela por fora um ramo de extorsão inusitado, inesperado e quase inacreditável por envolver pessoas aparentemente insuspeitas. Não uma extorçãozinha qualquer, mas um esquema que cobrava altas somas para a concessão de direitos aos apenados.
A Razão já publicou denúncia de corrupção nos presídios. Referia-se a pequenas propinas a guardas penitenciários oferecidas por presos de elevadas posses em troca de favores desses servidores mal pagos pelo Sistema. Não tinha conhecimento à época de que a corrupção nos presídios do Rio de Janeiro ia muito além. É sabido, e a internet aí está a nos revelar situações absurdas, que a corrupção, amiguinha da extorsão, ocorre em penitenciárias de vários estados. Dia após dia espocam aqui e ali pequenos e grandes casos, envolvendo servidores.
Recentemente, a Polícia Federal liquidou um esquema de corrupção que vigia há sete anos no presídio de Igarassu, Região Metropolitana de Recife, Pernambuco. Pasmem: o diretor do presídio e agentes penitenciários eram coniventes com os presos, que continuavam a cometer crimes, promoviam festas privadas e mantinham um laboratório de drogas dentro da prisão, onde levavam vida de luxo e regalias. A investigação começou a partir da apreensão do telefone do chefe do esquema dentro do presídio. O delegado da Polícia Federal que a comandou concluiu que o diretor era um dos principais articuladores do esquema e os agentes penais, praticamente, sócios dos presos na empreitada criminosa. De acordo com o policial, agentes penitenciários facilitavam a entrada de tudo que os presos queriam e recebiam qualquer tipo de remuneração.
Tudo isto é nada, se comparado à denúncia de um preso no Rio de Janeiro à Justiça. Em carta ele contou que funcionava no presídio a que estava recolhido um esquema de extorsão de presos que quisessem beneficiar-se e ficar fora da cadeia, o que pode ser entendido como venda de alvará de liberdade, por meio da concessão de laudos médicos.
Apurada a denúncia contida na carta, a Justiça determinou, por decisão da 3ª Vara Especializada em Organização Criminosa, o afastamento de um subsecretário da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro por suspeita de corrupção. O denunciante dizia estar sendo coagido e pressionado a pagar propina de R$ 600 mil para conseguir um laudo médico e ser beneficiado com prisão domiciliar.
O detento contou que vinha sendo coagido a pagar quantias a um grupo de funcionários que formavam uma organização criminosa, formada por policiais penais, atuando dentro da prisão. Os documentos das transferências bancárias foram enviados à Corregedoria para comprovar os pagamentos.
Aí vem a pedrada; não é coisa de pé-de-chinelo. Relatório produzido pela Corregedoria da Seap informa que, segundo o denunciante, o grupo era formado pelo então diretor, o subdiretor e o chefe de segurança da unidade. Também são acusados de haverem participado do esquema um médico, um enfermeiro, um nutricionista e advogados. O denunciante disse ainda, em depoimento, que advogados foram até a casa dele “com o intuito de intimidar psicologicamente” a sua companheira.
Das denúncias resultou recolhimento de material que pode conter detalhes do esquema. A denúncia do preso levou ao desmantelamento do bando de figurões do sistema penitenciário, servidores graduados, e profissionais liberais, inclusive prestadores de serviço. A Procuradoria mandou prender os que estavam na fita e deu nomes aos bois.
Situações desse nível cobrem de vergonha os cidadãos de bem, ainda que algumas pessoas defendam que encarcerados por ordem da Justiça devam ser tratados com humanidade. Para estes tal tratamento é carinho, refresco e pão-de-ló, eventualmente uma festinha regada a bebidas alcoólicas, trouxinhas e pinos e garotas de programa. Esses têm esperança de que os maus se tornarão bons, como a história da água e o vinho. Certamente não pensam em qual o tratamento devido aos familiares das vítimas que esses apenados fizeram.
É bom lembrar que a emissão de atestado médico falso sujeita o profissional médico a inquisição na esfera criminal e a tornar-se alvo de investigação pelo Conselho Regional de Medicina, conforme os ritos do Código de Processo Ético-Profissional. Apesar disso, há facilidades para a obtenção de atestado médico via internet, obviamente com contato apenas virtual do contratante com o contratado – o documento sai, mediante simples transferência bancária.