Fábio Carvalho Sotero, militante espiritualista na Filial Patrocínio, Belo Horizonte (MG).
Filosofia evolucionista, o Racionalismo Cristão vem ao longo dos anos adaptando nomenclaturas ao explanar à humanidade seus valores e princípios, a fim de que os ensinamentos fiquem mais acessíveis ao entendimento e à reflexão. Não fosse por outro motivo, há que se reconhecer que inegavelmente a linguagem, por si só, sofre processos de adequação às circunstâncias do seu próprio tempo.
Vejamos alguns exemplos: algibeira é palavra que indica pequeno bolso ou saco integrado à vestimenta para guardar pequenos objetos ou ainda bolsa pequena que as mulheres traziam presa à cintura na parte interna da roupa. No sentido figurado algibeira também já significou dinheiro propriamente dito ou outro recurso financeiro. A palavra era, inclusive, utilizada como parte principal de ditos populares: “andar com as mãos nas algibeiras” significava andar ocioso. “Meter os pés nas algibeiras de alguém” significava caçoar disfarçadamente de alguém, sendo que caçoar – também palavra em desuso para muitos – significa causar riso com a intenção de debochar de algo ou alguém, fazer zombaria, troçar, escarnecer. Hoje, se alguém usar a palavra algibeira no cotidiano da vida, poderá ter sobre si a impressão de que está fora do seu tempo.
Adaptações e modificações. Desde sua fundação o Racionalismo Cristão tem adaptado terminologias e feito modificações no que se refere à explanação de seus princípios, que são inalteráveis, irremovíveis e inadaptáveis a controvérsias, ao pensamento refratário ou a eventuais modismos. Sem precisarmos nos afastar do que temos e lemos no Racionalismo Cristão para nos mantermos nos trilhos do que pretendemos expor e por essa mesma razão, vamos mencionar Cícero (Marco Túlio Cícero), que viveu entre os anos 106 e 43 antes de Cristo (106 a.C – 43 a.C) tendo sido citado por Luiz de Mattos quando, debruçado nos estudos que deram começo à Doutrina – e aqui dizemos doutrina propositalmente – para serem tomados como referência de conduta das pessoas de bem, que deveriam ser moderadas, ponderadas valorosas e justiceiras, palavras essas que remetem aos princípios da Moderação, Ponderação, Valor e Justiça.
Contagem do tempo. A título de registro e para facilitar a clareza de entendimento consideramos oportuno indicar que historicamente convencionou-se contar o tempo antes de Cristo “de trás para frente” para que o marco histórico representado pelo seu nascimento se consolidasse, como de fato consolidou, o início de uma nova era, de um novo tempo para a humanidade e que, a partir daí, os anos seriam contados de forma crescente como se contam hoje em dia: ano um, ano dois, ano três, ano quatro… ano 2025. Quanto ao termo justiceiro era e foi perfeitamente concebível e inteligível que nos idos de 1910 (Século XX) a palavra utilizada na citação de Cícero fosse aceita para adjetivar aqueles que se guiavam por princípios de Justiça, ou seja, que orientavam seus atos e comportamento com isenção de ânimo e avaliavam o que é certo e justo fazer antes de tomar uma decisão a partir da consciência esclarecida, dos fatos, das regras sociais e das leis em sentido amplo e não apenas para atender a conveniências de pessoas ou de grupos específicos. Hoje, entretanto, justiceiro tem outro significado, incabível para princípios filosóficos e morais, pois remete intuitivamente a alguém que “faz justiça com as próprias mãos” por vingança, revolta, por dinheiro ou outro impulso negativo. Diante disso, em vez de usar justiceiro é mais apropriado dizer justo para se referir à justiça quando se quer expressar o significado do termo Justiça tal qual foi empregado por Cícero: moderado, ponderado, valoroso e justo, não justiceiro. Simples assim, justiça, ser justo! Não obstante isso devemos mencionar que infelizmente a própria palavra justiça tem hoje em dia o sentido de vingança, de revide especialmente e principalmente no entendimento popular sobre o Direito Penal: “Faça-se justiça: olho por olho e dente por dente!” Essa expressão aparece no Código de Hamurabi, que é considerado o primeiro código de leis da História (Mesopotâmia, 1792 a.C – 1750 a.C).
Mundo de cegos e banguelas. Buscar justiça, entretanto, não significa de maneira alguma ser vingativo e sim, repetimos, guiar-se pelo que é justo. A propósito disso, a frase atribuída a Mahatma Ghandi nos obriga a refletir: “Olho por olho, dente por dente e o mundo acabará cego e banguela”. Em relação ao tempo histórico, lembremos ainda – e esse fato não pode ser negligenciado – que Luiz de Mattos é fruto do século XIX, pois seu nascimento deu-se no ano de 1860. Dessa forma, as palavras de Cícero da forma como foram apresentadas estavam em total harmonia com seu tempo. Assim, aqueles que conhecem a história da nossa Filosofia – vejam, Filosofia, não mais Doutrina –, de seus fundadores e continuadores, sabem que no início o que hoje conhecemos e respeitamos como Racionalismo Cristão era denominado Espiritismo Racional e Científico (Christão) – Christão com ch mesmo, era assim que se escrevia. Hoje não é mais, tudo evolui.
Ao longo dos anos pequenas adaptações foram propostas e feitas respeitando-se sempre a manutenção dos princípios norteadores da filosofia racionalista cristã. Novas adequações e adaptações certamente virão no futuro. Tudo evolui.
Significado de sofrimento. Feito o preâmbulo, vamos ao que nos move: o significado de sofrimento! Mas não se apresse, caro leitor. Não vamos tratar do sofrimento propriamente dito e tampouco dar-lhe imerecido destaque, pois trataremos da palavra e de seu significado no contexto histórico e filosófico do Racionalismo Cristão em relação aos valores e princípios que explana, dando ênfase na palavra e no significado que atualmente o substitui: crescimento!
As palavras constantes nas irradiações da limpeza psíquica já foram outras muito diferentes das que se utiliza atualmente. Muito, mas muito diferentes mesmo! Assim, vigorou durante muitos anos o termo sofrimento sob influência do que existia na época – e Luiz de Mattos e seus continuadores tinham que ter algum ponto de partida como referência para sua Filosofia – tendo sido utilizado o termo como indicativo do motivo de os espíritos estarem de posse de um corpo físico (notem: espíritos de posse de um corpo físico, não mais encarnados) era sofrer em decorrência da luta contra os maus hábitos e as imperfeições.
Espírito não vem à Terra para sofrer
A afirmação “É pelo estudo, raciocínio e sofrimento derivado da luta contra os maus hábitos e as imperfeições que o espírito se esclarece e alcança maior evolução.” dava a entender o sofrimento como finalidade e deixava de lado o verdadeiro objetivo da vida, que é o crescimento. Usavam-se, inclusive, expressões como “cadinho depurador de almas”, ou “alambique depurador” para se referir ao planeta Terra. Entretanto, hoje é reconhecido e divulgado que o objetivo essencial do espírito de posse de corpo físico não é sofrer e sim crescer, evoluir.
Reflexão e questionamento. Temos que reconhecer, porém, que é perfeitamente compreensível ao leitor e assistente refletir e questionar sobre o significado de sofrimento pois filosofar implica pensar, questionar, crescer, propor novas ideias, evoluir – por isso mesmo Filosofia, não mais Doutrina – e querer saber: “Se ninguém vem ao mundo para sofrer…” – expressão ouvida recorrentemente nas reuniões públicas presenciais do Racionalismo Cristão e nas realizadas a distância – “… por que então eu estou sofrendo? Fui deixado de lado? “Deus” esqueceu de mim, não está me vendo aqui? Meu sofrimento não conta, não entra na equação?” Tais questionamentos são perfeitamente compreensíveis, reconhecemos, mas devem impulsionar o assistente ao raciocínio e à reflexão e não à aceitação do sofrimento como objetivo em si mesmo, como castigo ou como punição por eventuais erros cometidos em existências anteriores. Porém uma sutileza passa despercebida da maioria. Dizer que ninguém vem ao mundo para sofrer não significa dizer que ninguém vai sofrer no mundo.
Parte do processo. A dor e o sofrimento são inerentes à condição humana e fazem parte do processo de crescimento e da evolução espiritual tal qual vivenciamos neste planeta-escola. Exatamente por isso o Racionalismo Cristão não nega a existência do sofrimento. Seria inapropriado fazê-lo. O que se fala e se afirma com convicção é que, existindo, o sofrimento não é finalidade em si mesmo, não é objetivo. Apenas faz parte do processo.
A essa altura, para concluirmos nosso raciocínio e dar motivos para o leitor raciocinar e tirar suas próprias conclusões, devemos também reconhecer que a dificuldade das pessoas se desvencilharem de conceitos antiquados e inadequados aos novos tempos e passarem a entender o sofrimento não como objetivo e finalidade da vida mas como parte do processo evolutivo tem origem e causa no corpo fluídico, pois este funciona com base em “efeito cumulativo”, ou seja, o que o ser humano aprende e absorve em uma existência física, tanto no que se refere a virtudes e acertos quanto no que se refere a vícios e erros, fica acumulado no corpo fluídico. Daí ser o corpo fluídico a “identidade” do espírito, sua “impressão digital”.
Punição e castigo. Assim sendo, desde tempos antigos, por um ou outro motivo, a noção de punição e de castigo foi configurada como necessária ao ser humano, como meio através do qual se processa a evolução e nos pormenores da vida. Dessa forma, de existência física em existência física o espírito vai acumulando em seu corpo fluídico conceitos inadequados a sua evolução, o que faz ser imprescindível a luta contra esses conceitos arraigados, maus hábitos e imperfeições.
Notemos que, comparativamente, em termos humanos a impressão digital de uma pessoa pode sofrer mudanças com o passar do tempo devido a fatores como desgaste físico, reiterado contato com produtos químicos ou abrasivo, idade avançada etc. Então se a mudança de impressões é inerente à vida – tanto no sentido literal quanto no sentido figurado – por que não aceitar o fato inegável de que tudo evolui?
Valores não mais aceitos. Por que manter-se ligado a valores e conceitos que antigamente eram aceitáveis, mas hoje podem e devem ser mudados, atualizados e terem seu entendimento ampliado? Por que ser refratário a mudanças? Tudo evolui! Notemos também outra sutileza que talvez passe despercebida a muitos. Não se afirma que é pelas vitórias que nos esclarecemos e alcançamos maior evolução. Essa afirmação não está posta no texto da irradiações. O que se diz é que é pela luta contra os maus hábitos e as imperfeições que o espírito se esclarece e alcança maior evolução. Cumulativamente a luta fortalece o espírito e proporciona maiores e melhores recursos para as próximas lutas. Obviamente ninguém entra em uma luta para perder, e sim para vencer, mas de novo a sutil diferença: lutar não implica necessariamente vencer sempre e com facilidade. Lutar implica fortalecer-se. Há reveses, muitos inesperados e eles também ensinam. Lutar contra imperfeições e contra maus hábitos é inerente à evolução e ao crescimento pelo exato motivo do efeito cumulativo do corpo fluídico.
Fortalecimento do espírito. De luta em luta, fortalece-se o espírito pelo efeito cumulativo do corpo fluídico, pois conforme afirmado a luta exige estudo, raciocínio e proporciona o crescimento uma vez que para raciocinar deve-se deixar de lado preconceitos e abrir espaço para o novo. Não manter ideias fixas, não ser refratário a mudanças, não negar a evolução de tudo que existe no Universo, não apenas como conceito abstrato, mas como experiência prática vivenciada cotidianamente, ainda que imperceptível a olho nu, é essencial para o crescimento e para a evolução. Finalmente podemos citar outro pensador para ilustrar a base do raciocínio sobre a mudanças e evolução, Heráclito de Éfeso: “A única constante é a mudança”. Assim, na equação da vida, escolha crescer, escolha evoluir.