O que será de nossa pouca saúde e ainda menos educação?

Certamente não será tão cruel quanto a recente pandemia, ainda que o abalo sobre esses dois quesitos venha a ser violento e nos faça ver o caos de perto. Diz-se por aí que a Saúde está no CTI, falta dizer que a Educação anda batendo gazeta, mas é certo que, a sustentar-se a falta de juízo dos nossos governantes, a Saúde irá para as gavetas do IML e a Educação, reprovada, terá que tentar matrícula na mesma série no ano seguinte.

O que nos leva a tão pessimista perspectiva? A ameaça do presidente da República com eco em seu Ministério da Fazenda, ou vice-versa: dizem publicamente ele e seu ministro, na maior desfaçatez, que as duas pastas terão problemas de verbas para manutenção e investimentos em 2027, se não for encontrada fórmula que permita cobrir a buraqueira orçamentária.

Todos sabem que a execução da educação no Brasil está distribuída pelos três níveis de Governo, ficando principalmente terceiro grau, pós-graduações, doutorados, pesquisas científicas, hospitais-escolas por conta do Governo Federal. É exatamente aí que se dá o enfraquecimento da confiança na capacidade governamental de gerir os bilhões que arrecada. Por que a Educação e a Saúde e não alguns centavos da Defesa, já que é inimaginável a possibilidade de o Brasil alcançar nos próximos cem anos o nível tecnológico dos países hoje mais adiantados na construção de armamentos?

Essa conversa fiada, sem propósito aparente, visa a preparar os cidadãos para o início da catástrofe que se prenuncia. O que pode fazer o povo contra as decisões da cúpula, além de prevenir-se para não incorrer em erro nas próximas eleições (2026), escolher com correção o candidato a mandatário maior desse país tão rico e de povo tão pobre? Claro, há exceções.

Não cabe discutir aqui, agora, a mesa farta dos abastados à custa da fome de milhares de seus semelhantes, mas ao tratar do mau emprego da arrecadação governamental é preciso lembrar que a maioria dos brasileiros come mal e aquém de suas necessidades. A cesta básica não alcança todos os necessitados, ao mesmo tempo em que privilegia amigos de políticos nos três níveis de governo e amigos desses amigos. Nesse ponto tocamos na praga que assola o país: a  corrupção. Há muita gente beneficiada que bem poderia ficar de fora e contingente muito maior que merece o benefício e, na verdade, está a um passo de esmolar para sobreviver. Esta subnutrição empurra a Saúde até à beira do atoleiro.

Repetidos anúncios oficiais de pesquisas revelam a estreita relação Saúde-Educação, nos primeiros anos de vida do cidadão. Dados insuspeitos revelam que elevado percentual de brasileirinhos que frequentam o Ensino Fundamental tem como única refeição diária a oferecida pela merenda escolar, nesse caso, de responsabilidade municipal e nem sempre de boa qualidade. É sabido, por informação de pediatras renomados, que criança mal alimentada tem pouco aproveitamento escolar. Esfalfam-se educadores numa luta insana para superar o dano da origem, a fome desde a fase uterina.

Entrou em cena o pacato e quase esquecido Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF. Desde 1966, quando adotou o atual nome para substutuir imposto que já existia, o IOF vem funcionando, apesar das reclamações de praxe. Afinal, todo e qualquer imposto é indesejado por quem é atingido. De repente foi lembrado e caiu na berlinda.

Deputados e senadores, representados pelos presidentes das duas Casas Legislativas, embarreiraram a anunciada pretensão do presidente e do ministro de elevarem o percentual do IOF para, assim, cobrirem o buraco orçamentário. O Governo recuou, mas apresentou a elevação de outros impostos como alternativa. Eis que uma voz se levantou a lançou o protesto, na verdade falando por todos os brasileiros: ”não é só aumentar tributos, mas cortar gastos”.

São cicunstâncias desagradáveis a que nos atiram os governantes, situações que nos constrangem e entristecem por ver tanta coisa ruim acontecendo ao nosso redor sem que, aparentemente, nada possamos fazer para impedir ou corrigir.

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Provocava o cônsul Cícero na abertura de seu discurso no Senado romano; tal exortação repetimos nós, os brasileiros, face à postura de certos governantes. Catilina se foi, Cícero também, mas deixou seus ensinamentos nas Catilinárias, como esta indagação ao senador romano. Tal pergunta pode ser direcionada a todo e qualquer mau governante ou legislador, cujas decisões ou pretensões possam ser entendidas como traição da confiança que nele foi depositada quando lhe outorgamos o mandato. O tempo passou, o personagem mudou, mas a indagação ainda cabe, embora estejamos mais próximos de desatenção com a coisa pública do que em ambiente de conspiração, como na época em que foi formulada, necessitando apenas a mudança do indigitado.

Felizmente, para superar o dano, a angústia, a dor que a má administração nos causa, dizia o poeta em memorável obra musicada: ”Canta, canta, minha gente / deixa a tristeza prá lá / canta forte, canta alto / que a vida vai melhorar”. Quanta fé, quanta esperança! O poeta não imaginava, porém, as tramoias que seriam engendradas para travar seu otimismo e maltratar o povo. Ainda assim, cantemos um canto forte e alto, convictos de que a vida vai melhorar, que nas próximas propostas de leis orçamentárias o poderoso chefão da época e seus assistentes se darão conta de que sem Saúde e sem Educação essa nação agonizará até à morte, ainda que outras falhas e mazelas sejam corrigidas. Vale tanto acatar a alfinetada de Cícero quanto vislumbrar a nação forte, alegre e feliz que o poeta desenhou. A esperança não morre, mesmo neste Brasil de rimas mil.