Nesta edição vamos abordar um tema que está sendo estudado em instituições científicas pelo mundo: a relação direta entre espiritualidade e saúde física e mental do indivíduo. Antes, deixamos claro: espiritualidade não é religiosidade. Uma pessoa religiosa é espiritualizada, mas alguém espiritualizado não necessariamente segue uma religião, e pode até ser um incréu. Existem práticas espirituais – não religiosas – que trazem bem-estar, como meditação, oração, perdão, atos de gratidão. Há tais práticas espirituais positivas, mas também práticas e sentimentos negativos, como raiva, rancor, orgulho, medo, egoísmo, que, por óbvio, podem gerar mal-estar, ou seja, boa parte das doenças que acometem a humanidade.
Exposto o que podemos classificar como a parte simples da relação que nos propusemos tratar, entramos na descrição de estudos que vêm sendo desenvolvidos em instituições científicas nos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, Brasil e outros países. As conclusões até aqui alcançadas apontam um conjunto de evidências indicativas de que diversas expressões da espiritualidade têm impacto significativo na saúde e no bem-estar. Esse impacto se espande a menores níveis de mortalidade, depressão, suicídio, uso de drogas, internações e uso de medicamentos.
Grandes instituições de ensino no mundo mantêm centros de estudos exclusivos sobre o assunto. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, por meio do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser), e a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), têm investigado o quanto a espiritualidade do paciente auxilia na cura de doenças físicas e psíquicas, as quais podem ser agravadas a partir de sentimentos ruins e pensamentos destrutivos.
“A espiritualidade é um estado mental e emocional que norteia atitudes, pensamentos, ações e reações nas circunstâncias da vida de relacionamento, sendo passível de observação e mensuração científica”, explica o médico Álvaro Avezum Júnior, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), professor do Centro de Cardiopneumologia da USP e do programa de doutorado do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e um dos principais estudiosos do país da relação entre espiritualidade e saúde.
Ele afirma que a espiritualidade é expressa por meio de crenças, valores, tradições e práticas. “Quem tem menos disposição ao perdão está mais disponível a enfrentar enfermidades coronárias”, diz o especialista, que é também diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Da mesma maneira, observa, a raiva acumulada pode levar à diabetes.
Dr. Avezum é um dos principais estudiosos do país da relação entre espiritualidade e saúde. Esteve à frente da iniciativa da SBC em publicar as Diretrizes brasileiras sobre espiritualidade e fatores psicossociais, que integram o conjunto de prevenção cardiovascular. “A SBC foi a primeira sociedade de cardiologia do mundo a associar enfermidade moral à doença cardíaca, a partir de evidências científicas”, informa.
Segundo afirma, com intervenções baseadas em perdão e gratidão é possível controlar, por exemplo, a pressão arterial. Agora seus estudos buscam ir além e entender a origem da doença. “Queremos mostrar que é possível prevenir a doença tratando a espiritualidade primeiro, por meio do perdão e da gratidão, além de reforçar outras atitudes positivas, como solidariedade, compaixão, humildade, paciência, confiança e otimismo” conclui.
O neurocientista Sérgio Felipe de Oliveira, que entre 2007 e 2014 ministrou a disciplina optativa Medicina e Espiritualidade na Faculdade de Medicina na USP, afirma que o diálogo entre ciência e espiritualidade nunca foi tão urgente: “A ciência não pode fechar-se em cima de si mesma, em um conhecimento hermético. Ela precisa ouvir e conversar com a população. Senão, quando nós precisarmos da ciência, o povo não ouvirá. Aí surgem o negacionismo e as fake news”.
O médico Frederico Leão, coordenador do Proser do IPq, entende que é preciso adotar a prática espiritual que esteja em harmonia com as crenças de cada um, porque isso vai contribuir para o tratamento.
O foco do IPq é pesquisar o impacto dessas práticas na saúde mental dos pacientes. Segundo Dr. Leão, até o início dos anos 2000 os médicos tinham muito receio em falar sobre o assunto, mesmo sendo o Brasil um país onde mais de 80% da população se declara cristã.
O psicólogo Laerson Cândido de Oliveira, que dirige o Instituto Espírita Cidadão do Mundo (IECIM), em São Paulo, ressalta o valor do amor, da oração, da positividade e da fé no futuro. Ele diz que costumamos ter muita solidariedade em relação a quem está distante de nós, a quem não conhecemos, mas somos incapazes de perdoar as menores faltas cometidas por pessoas do nosso convívio. Segundo Laerson, o ódio e o ressentimento aprisionam o indivíduo, levando-o a um estado doentio, enquanto o medo e o egoísmo paralisam impulsos positivos, no sentido de auxílio ao próximo.
Dr. Leão destaca as pesquisas do psiquiatra americano Harold Koenig, da Universidade Duke, para quem negligenciar a dimensão espiritual do paciente é como ignorar o seu aspecto social ou psicológico, ou seja, ele não é tratado de forma integral. “Koenig constatou que o pensamento positivo, a meditação e a oração não afetam só a mente, mas o organismo como um todo”, afirma Leão. “Só os muito alienados não estão revendo seu padrão de vida neste momento”.
O Racionalismo Cristão sempre enfatizou em seus escritos e reuniões públicas, a importância da saúde integral do ser humano. Para tanto, destaca a importância da limpeza psíquica como prática salutar para a obtenção da saúde física e psíquica e o rígido controle dos pensamentos, que devem estar sempre voltados para a prática do bem.