Com o artigo anterior, demos um grande salto no tempo, de volta ao futuro, para, a pedido, falar sobre o Cavaleiro de Oliveira, que viveu no século XVIII de nossa era, e assim desobedecemos a ordem cronológica que tem sido mantida na publicação desta enumerada série de artigos sobre a história do racionalismo.
Com o presente texto introdutório sobre a filosofia do Período Helenístico, decorrido entre o século III e o século II antes de Cristo, damos outro grande salto no tempo, agora de volta ao passado e à ordem cronológica, excepcionalmente desobedecida.
O epicurismo, o estoicismo e o ceticismo são as três correntes que dominaram o pensamento filosófico no Período Helenístico, assim chamado em razão da influência que a cultura grega passou a exercer, nessa época, na vastidão de territórios conquistados por Alexandre Magno.
A cultura helenística, consequência das conquistas militares de Alexandre, foi o resultado da fusão de diversas sociedades, principalmente a grega, a persa e a egípcia. Nesse contexto, diz a historiadora Juliana Bezerra, elementos gregos acabaram fundindo-se com as culturas desses povos. Esse processo deu lugar a uma nova cultura, o helenismo, numa referência ao nome que o povo grego atribuía si mesmo: “helenos”.
A capitulação das forças gregas ante o poderio do exército macedônio e depois as conquistas militares de Alexandre sobre outras nações resultaram em profundas mudanças no mundo grego, constituído pela Grécia e suas colônias.
A derrocada sofrida pelas Pólis gregas (cidades-Estado) teve como marco inicial a derrota de seu exército, em 338 antes de Cristo, na batalha de Queroneia, vencida por Filipe II da Macedônia; e como marco fatal o total domínio da Grécia pelo novo rei macedônio, Alexandre, que assumira o trono com a morte do pai. O que era o mundo grego passara a integrar um vasto império e assistira ao fim da autonomia de suas cidades-Estado e à negação de sua outrora valorosa e gloriosa Hélade.
“Era uma vez as Pólis gregas”, teria dito, mais tarde, um general grego que sobrevivera às sangrentas batalhas vencidas pelos macedônios.
No entanto, observa a historiadora da filosofia Ana Luísa Astiz, se, por um lado, as cidades-Estado chegaram a ponto de ter seu funcionamento político totalmente alterado, por outro, isso acabou propiciando aos gregos a oportunidade de realizar – com o patrocínio do próprio Alexandre, grande admirador da cultura helênica – a disseminação dos valores da civilização grega nos territórios conquistados por ele. Tanto que, diz Ana Luísa, quando ele morreu, em 323 antes de Cristo, o pensamento grego era conhecido desde o Egito até a Espanha.
Ao perderem as cidades-Estado gregas sua soberania, o exercício da política deixou de ser um direito comum a todos os seus cidadãos. “Assim”, diz ainda Ana Luísa, “o modelo grego difundido nos territórios conquistados por Alexandre e seus sucessores não foi político, e sim cultural.”
Também segundo ela, o conhecimento, antes dedicado a formar o cidadão grego para capacitá-lo a exercer funções políticas, dedicava maior atenção agora ao comportamento humano e à transformação das ciências num saber autônomo, ou seja, desvinculado, independente da filosofia.
Quanto à filosofia, que se deslocara do campo político para o comportamento humano, sua preocupação agora era a busca de normas de conduta que pudessem proporcionar às pessoas a paz interior. “O bem – antes no Mundo das Ideias – passara a ter um sentido existencial: é aquilo que é bom para cada um.”
O helenismo foi um tempo de especializações nos diversos campos do conhecimento; e também um período em que as ciências experimentais e a matemática foram adquirindo importância cada vez maior. Foi ainda nessa época que a ideia de “comunidade científica”, que teve início na Academia platônica e no Liceu de Aristóteles, pôde ser ampliada e aperfeiçoada ao serem instaladas, em diversos palácios, bibliotecas e centros de pesquisa.
De acordo com Ana Luísa, as “novas” filosofias adquirem, no Período Helenístico, caráter acima de tudo prático. “Trata-se de salvar o homem e de dar sentido a sua vida individual fora dos muros das cidades destruídas ou em decadência.”