Sob a influência de conceitos contrários à espiritualidade autêntica, alguns seres humanos creem firmemente que os abalos morais e os sofrimentos podem alterar negativamente e de uma hora para outra a maneira de ser de uma pessoa. Mas será que pode uma personalidade se alterar completamente diante de um infortúnio? Nossa missão de ampliar conceitos e perspectivas obriga-nos a refletir sobre essa questão à luz da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão. É o que procuraremos fazer no estudo desse tema.
Os reveses e as adversidades não transformam as pessoas nem modificam instantaneamente o caráter de ninguém, mas revelam o que os seres humanos realmente acalentam em seu interior. Com certeza, as dificuldades e as dores expõem, muitas vezes, uma realidade pessoal ocultada pelos momentos menos dramáticos. Lembremo-nos de que a natureza dificilmente dá saltos: ninguém se transforma de maneira radical em um curto espaço de tempo, a não ser que já mantenha em seu interior os germes dessa mudança.
O ser humano que concentra suas energias apenas nos aspectos materiais da vida, quando vivencia uma situação desafiadora em que se apercebe na contingência de ser premido da posse de seus bens, de perder algo que muito estima ou de adoecer, vendo-se tolhido das efêmeras satisfações provenientes de seus sentidos físicos, inquieta-se e perturba-se sobremaneira. Diante dos desafios e dos reveses, ele deixa-se invadir por intensa opressão e intranquilidade, manifestando um estado de ânimo que mescla frustração e temor. Alguns dirão: “Fulano mudou completamente, anda agressivo e arredio”. Não é verdade: ele não mudou completamente; as contrariedades apenas deixaram nítidos os pensamentos e sentimentos que nutria, mas que estavam artificialmente encobertos.
O ser humano espiritualizado, de temperamento moderado, inclinado à harmonia e ao bom senso e indiferente à transitoriedade da posse de bens materiais, capta cada vez mais a admiração de seus pares ao renunciar a tudo que não se concilia com o bem-estar espiritual seu e de seus semelhantes. Reage positivamente ante as dificuldades da vida, analisa tudo pelo ângulo da espiritualidade, colhe de cada revés uma lição, como se juntasse sólidos blocos com os quais se edifica uma fortaleza.
A firmeza de caráter – ou, como dizem alguns, a estatura moral – não é de forma alguma um dom ou uma característica própria de certas personalidades privilegiadas, mas fruto do empenho criterioso e da força de vontade de quem logrou refrear más tendências e bloquear a irrupção de impulsos grosseiros e contrários à ascensão do espírito. Contra essa realidade, não há quem honestamente consiga manejar um argumento, posto que a verdade se impõe.
A firmeza de caráter, como o dissemos, é filha dileta do empenho em acertar e da força de vontade voltada para o aperfeiçoamento espiritual. Todavia, porque vivemos em um mundo marcado por oscilações e influências as mais variadas e diferentes, a firmeza de caráter deve ser constantemente reafirmada e consolidada. Qual ser humano, mesmo o mais consciente e espiritualizado, está totalmente livre do influxo das más influências? Nenhum. Por mais qualidades morais que tenha uma pessoa, tal conjunto virtuoso jamais lhe conferirá imunidade emocional e psíquica, porquanto sempre deve manter pensamentos elevados e agir em consonância com eles. São, aliás, os pensamentos de valor e as atitudes nobres os autênticos transformadores da personalidade, e não as circunstâncias, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, como nos ensina o Racionalismo Cristão.