Todos sabemos que a Antiguidade nos legou obras de valor arquitetônico cuja elaboração e execução ainda hoje surpreendem, quer pelo porte, quer pelos detalhes. Selecionadas pelos gregos, chegaram até nós como as Sete Maravilhas do Mundo: a Grande Pirâmide de Gizé, o Mausoléu de Halicarnasso, o Templo de Ártemis, a Estátua de Zeus, o Colosso de Rodes, o Farol de Alexandria e os Jardins Suspensos da Babilônia.
A criatividade fez nascer a ideia de se elencarem as maravilhas do mundo moderno, e vieram as apelações. No afã de imitar, cada um puxando a sardinha para o seu lado, cada país, cada cidadezinha, cada instituição no mundo, cada uma convocou a preferência popular e, assim, alguns monumentos, relíquias da arte humana ou da natureza, mereceram a escolha.
Se contabilizarmos as sete maravilhas do mundo moderno, de conhecimento coletivo ou particular de cada povo, chegaremos a umas 700, tantas foram as propostas de escolha e as escolhidas. E, se nos aprofundarmos na análise, considerando minúcias arquitetônicas, naturais, científicas, imateriais etc., chegaremos a uns 70 milhões de maravilhas merecedoras que ficaram de fora dessas seleções. A lista original, porém, com as da Antiguidade, das quais somente a grande pirâmide resiste ao tempo, aí está, irretocável. As modernas são Cristo Redentor (Brasil), Machu Picchu (Peru), Chichén Itzá (México), Coliseu (Itália), Ruínas de Petra (Jordânia), Taj Mahal (Índia) e a Grande Muralha (China).
Se já não se conhece a quantidade de “as sete maravilhas do mundo moderno”, não nos lembramos também de quantos fatos, episódios, belos ou grotescos, foram qualificados de “oitava maravilha do mundo”. Em qualquer situação do nosso dia a dia temos a impressão de estarmos envolvidos pela tal maravilha. Um beijo, um afago, um reencontro, uma música, popular ou erudita, uma obra literária… qualquer coisa, na interpretação do observador, pode ser tomada como a oitava maravilha. Até no futebol acontecem oitavas maravilhas, em cada partida, em cada meio-tempo, ora pela desenvoltura do atleta, ora pela beleza plástica da jogada em sua totalidade, principalmente se ela resulta em gol.
Seria a real oitava maravilha do mundo a paz? a invenção da roda? Cem anos de solidão, de Gabriel García Marques? a criação da vacina antipólio, por Albert Sabin; o poder dado ao ser humano de voar como os pássaros, proporcionado por Santos-Dumont?
Estamos no mês de carnaval, e pensar em maravilhas, enfeitadas ou não por ordinais, nos remete aos desfiles das escolas de samba. Não é de hoje que coleguinhas proclamam durante as transmissões desses certames que estão diante da oitava maravilha do mundo. Tal valorização do conjunto é justa, mas incompleta, porque minimiza detalhes sem os quais aquela apresentação de roupas coloridas, alegorias criativas e luxuosas saídas da cabeça do carnavalesco, figura que “revolucionou” o visual das escolas de samba, não teriam graça, não provocariam entusiasmo, não arrebatariam espectadores em delírio, não arrastariam multidões…
O que, então, faz da escola de samba a paixão das comunidades onde nasce e se desenvolve? O que nela atrai frequentadores da classe média distante? Será a harmonia na distribuição de cores? Será a suntuosidade dos destaques? Será o frenético tum-tum-perequeté da percussão com seus floreios? Será o displicente biquíni da rainha de bateria? Será o sensual bailado das passistas? É tudo isso, porém enfeixado sob a verdadeira oitava maravilha do mundo: o samba de enredo. Sem ele a escola de samba não teria sentido, certamente nem existiria.
No tempo dos desfiles dos corsos, grandes sociedades carnavalescas e ranchos, os enredos, geralmente sátiras ao governo, eram animados por marchinhas e alguns instrumentos de sopro, ou apenas pelas moças e senhoras em fantasias ousadas, ao lado dos namorados e maridos que, sorridentes e vaidosos, as expunham em carro aberto à cobiça e concupiscência, num tempo em que ainda era impróprio mulheres deixarem à mostra alguns centímetros acima dos joelhos e em que calcinha era peça íntima.
Assim como a própria sociedade, o carnaval mudou, evoluiu. A marchinha, também chamada de modinha, saiu de moda (agora é funk), já não há o bonde São Januário para levar mais um operário, o trem da Central não transporta mais o Zé Marmita, ninguém mais sassarica (ao menos não com esse nome), índio não quer mais apito, quer vaga na faculdade e assento na Câmara dos Deputados, a falta de joões na China já não preocupa, Abdalas não carregam mais suas malas morro acima, já ninguém diz que pode faltar tudo, menos “a danada da cachaça”.
Os blocos de sujo espontâneos minguaram e estão reerguendo-se, porém organizados e sob controle das prefeituras municipais. Hoje predomina o samba-enredo, aceito por todo o país, dividindo espaço com ritmos de preferência regional, como xaxado, chula, axé, baião, frevo, caxambu, forró, toada. Este avanço se deve muito aos personagens carnavalescos conhecidos como puxadores/intérpretes dos sambas-enredo, que os sustentam durante os desfiles com seus poderosos gogós.
Não é fácil aos simples mortais enquadrar em melodias belas, comoventes, que atravessam carnavais, 15 ou 20 versos que contam 50, 100, 500 anos de história – até a “criação o mundo” já entrou na dança –, ou detalhes pinçados, personagens, lendas e costumes, conforme levantamento dos departamentos culturais que preparam a sinopse distribuída aos compositores.
Tudo cabe em um samba-enredo, que é sempre feito com dedicação e beleza, fruto da inspiração de uma casta de sambistas que merecem ser respeitados, venerados até. E entre tantas criações citamos os versos iniciais de uma delas, impregnados de poesia, que encantaram quantos o ouviram desde seu lançamento e eram apreciadores desta modalidade da arte popular, e encantam até hoje:
“Vem, amor,
vem à janela ver o Sol nascer.
Na sutileza do amanhecer.
um lindo dia se anuncia,
vê o despertar da natureza,
olha, amor, quanta beleza (!),
o domingo é de alegria.”
De autoria de Adhemar Vinhaes, Aurinho da Ilha e Ione do Nascimento, Domingo – Grêmio Recreativo Escola de Samba União da Ilha do Governador (Rio, RJ), carnaval de 1977. (JBA)