Admiração à luz da espiritualidade

“Admiração” é uma palavra que comporta inúmeros significados e interpretações. Pode ser considerada um sentimento agradável, que energiza o ânimo e irradia seus efeitos sobre o organismo, quando, por exemplo, o ser humano se depara com algo belo, emocionante e extraordinário; pode ainda expressar um sentimento de respeito e reverência em relação a uma pessoa, um grupo de pessoas ou uma ideia, entre outras possibilidades. Os antigos filósofos gregos afirmavam que a admiração consistia no princípio básico da filosofia. Na presente reflexão, procuraremos demonstrar que o conceito de admiração, quando analisado à luz da espiritualidade defendida pelo Racionalismo Cristão, ganha novos e importantíssimos contornos para além daqueles tradicionalmente reconhecidos.

Em uma época em que vigora, em muitos setores da sociedade mundial, a assim denominada pós-verdade – ou seja, a “verdade” baseada em opiniões e emoções, e não em fatos objetivos –, emerge a necessidade de fundamentação histórica e filosófica diante de um tema ou argumento que se queira expor. Nesse sentido, há que mencionar, no que concerne à admiração, que os grandes filósofos da História se detiveram em torno desse conceito, estudando-o pormenorizadamente.

Platão afirmou que a admiração é uma característica própria dos filósofos. Aristóteles, por seu turno, dizia que, em virtude da admiração, os homens começaram pela primeira vez a filosofar e não mais pararam. Muitos séculos depois, Descartes, no limiar da Modernidade, confirmou e desdobrou as concepções expressas pelos sábios gregos que o antecederam.

A admiração analisada à luz da espiritualidade representa, em síntese, o ato de surpreender-se com a beleza, a organização e a inteligência contidas em todos os fenômenos vitais e universais. Tal admiração, ampliada e abrangente, revigora e alegra o ser humano de maneira singular, fazendo-o compreender e valorizar a magnitude e sublimidade do processo de aprimoramento no qual está inserido.

Devido à complexidade crescente das atividades modernas, muitas pessoas negligenciam a necessidade de manter-se sensíveis à transcendência da vida e, por essa razão, reduzem suas capacidades, amesquinham suas ideias e entristecem-se facilmente.

Detendo-se na significação ampliada do conceito de admiração, em sintonia com nossos estudos filosófico-espiritualistas, o estudioso da transcendência – receptivo à prodigalidade da vida – é levado a reconhecer que, acima da mera surpresa oriunda das inovações tecnológicas, das realizações científicas e das conquistas materiais, sobrepaira a admiração relativa à harmonia e à coerência das leis evolutivas, universais e eternas, que estruturam, fundamentam e organizam a vida em suas múltiplas manifestações e possibilidades.

A capacidade e a coragem de admirar-se com a observação das belezas naturais, culturais e artísticas, com a estética dos movimentos siderais e com os gestos humanos espontâneos, benfazejos e altruístas estimulam sobremaneira a experiência diária dos princípios e valores da espiritualidade defendidos pelo Racionalismo Cristão, o que, sem dúvida, torna a vida mais alegre, suave e produtiva. Consciente da força estimulante do ato de surpreender-se constantemente com a amplitude incomensurável da vida, o ser humano se põe em condições de compreender que todos os fenômenos que vivencia estão repletos de possiblidades de aprendizado e de consolidação de conhecimentos.

A influência absorvente do materialismo e a tendência contemporânea de estabelecer e estimular comportamentos cada vez mais individualistas e egoísticos retiram de grande parte da humanidade a capacidade de se admirar e de se surpreender com os aspectos transcendentes da vida. Na verdade, quando o ser humano se fecha, tornando-se incapaz de perceber o mundo para além do que lhe impõem seus limitados sentidos físicos, transforma-se em um ser apático e indiferente – primeiramente em relação ao mundo, depois em relação ao próximo e, por fim, em relação a si mesmo.

Na presente reflexão, analisamos o conceito de admiração à luz da espiritualidade. Organizadas as noções ora estudadas, faz-se necessário ressaltar, nesta conclusão, um importante aspecto que pressupõe o desenvolvimento da capacidade de admiração. Trata-se da humildade. Um olhar de autêntica admiração em relação ao dinamismo da vida somente é possível quando se é humilde. Não é fácil olhar para fora de si, para além das próprias necessidades, quando não se tem humildade, pois a vaidade e o egoísmo conduzem o ser humano ao reducionismo, ao preconceito e à cegueira espiritual, impossibilitando a absorção de novos conhecimentos e o influxo de surpreendentes inspirações.

Dessa forma, esperamos, sinceramente, que todos aqueles que nos acompanham e se dedicam ao estudo da espiritualidade proposta por nossa filosofia de vida, o Racionalismo Cristão, compreendam que a admiração espiritualizada abre a mente das pessoas não apenas para uma profunda e produtiva relação com mundo, mas sobretudo para o encontro consigo mesmas e com sua essência.