“Em um hexágono inscrito numa circunferência, as retas que estejam em lados opostos interceptam-se em pontos colineares.”
O parágrafo entre aspas que inicia o artigo é da autoria de um adolescente francês do século XVII. Na verdade, trata-se do célebre teorema enunciado por esse jovem na obra Ensaios Sobre as Cônicas, escrita por ele quando tinha apenas 16 anos.
Esse gênio precoce, chamado Blaise Pascal (que morreria também precocemente), seria anos depois mais um grande filósofo e cientista a ser somado ao histórico e honroso rol dos polímatas (pessoas que conhecem ou estudaram várias ciências).
Filósofo, matemático, físico, inventor, estatístico e escritor, Blaise Pascal era filho de Étienne Pascal, “assinalado professor de matemática”, e de Antoinette Begon, que morreu quando o filho tinha 3 anos de idade. Nascido em 19 de junho de 1623, na cidade de Clermont-Ferrand, França, Pascal morreria em Paris, em 19 de agosto de 1662, aos 39 anos.
Mas a breve passagem de Pascal por este mundo não serviria de empecilho a que ele pudesse realizar o que de fato realizou como filósofo e cientista. E, segundo um de seus biógrafos, foi contribuindo, de modo significativo, para o estudo dos fluidos, escrevendo textos importantes sobre o método científico e esclarecendo os conceitos de pressão atmosférica e vácuo, inspirado numa experiência realizada em 1644 por Evangelista Torricelli (1608-1647), que Pascal teria dado início a seus trabalhos que diziam respeito às ciências naturais e às ciências aplicadas.
Por ser o único filho do sexo masculino (Pascal tinha duas irmãs, Jacqueline e Gilberte), seu próprio pai se encarregou de sua educação, visando “ao desenvolvimento correto de sua razão e de seu juízo”, regime educativo esse constituído de variado grupo de disciplinas, entre as quais “os jogos didáticos”.
Aos 19 anos, Pascal inventou a primeira máquina de calcular, que chamou de pascalina, e aos 23 estudou a pressão atmosférica. Fazendo jus à fama de “matemático de primeira linha”, criou dois novos campos de pesquisa: o primeiro resultou em um tratado de geometria projetiva, publicado por ele aos 16 anos; e o segundo, desenvolvido em 1654, redundou no desenvolvimento de um método de resolver o “problema dos partidos”, que, ao dar origem no do século XVIII ao cálculo das probabilidades, influenciaria fortemente as teorias econômicas modernas e as ciências sociais.
Sem abdicar de seu trabalho científico, Pascal passaria, a partir de 1654, a dedicar-se com mais assiduidade a seus trabalhos de ordem filosófica – suas duas principais obras, Pensamentos e Cartas Provinciais – foram escritas nesse período. Tal como René Descartes (1596-1650), outro grande filósofo e cientista francês e seu contemporâneo (de quem foi maior crítico), Pascal também se tornaria influente no campo da filosofia. Sabe-se, no entanto, que sua influência teria se estendido até mesmo à teologia cristã, pois além de filósofo e cientista era também teólogo e profundamente religioso. Não católico, e sim jansenista.
De acordo com um historiador do pensamento filosófico, Pascal, em sua obra magna, Pensamentos, adiantou vários temas que seriam tratados na filosofia contemporânea. Dentre esses temas, segundo o historiador, destacam-se as críticas à metafísica escolástica e ao cartesianismo, diversos temas do existencialismo, as antinomias kantianas e a finitude do “sujeito”, significando o termo “sujeito”, usado aí em linguagem filosófica, “consciência, eu pensante, espírito ou mente, no sentido de faculdade cognoscente e princípio fundador do conhecimento”.
Sempre entregue a seus trabalhos filosóficos e científicos, e baseado neles, Pascal criticou o método cartesiano (de Descartes), argumentando que “alguns conhecimentos só podem ser obtidos com base em experimentos, não em deduções”.
Quanto ao argumento de Descartes, segundo o qual “ideias claras e distintas” devem ser aceitas como evidências fora de quaisquer dúvidas, Pascal contra-argumenta que isso é questionável, por assentar-se em bases indemonstráveis. A razão humana, segundo o crítico de Descartes, é frágil e, assim sendo, não pode servir de fundamento para a certeza.
Pascal discorda também de Descartes ao tachar de vã a busca da certeza. Segundo Pascal, “a única certeza é a evidência da falsidade de uma hipótese ou conceito”. Certeza essa que se obtém não por meio da razão, e sim por experimentos científicos. E mesmo quando uma hipótese é confirmada por experimento, o resultado não significa que possa ou deva ser, necessariamente, tomado como certeza ou verdade universal – “trata-se, antes”, diz ele, “de considerá-lo mais provável do que outros que levam a conclusões absurdas”.
Endereçadas a Descartes, as críticas de Pascal não visam a outra coisa senão mostrar as limitações da condição humana. “Incapaz de ver-se como é e de aceitar-se assim, o homem, presunçosamente, persegue certezas, acreditando que a razão pode conduzi-lo ao conhecimento de tudo. Por isso mesmo”, lamenta Pascal, “o ser humano julga possível demonstrar a existência de Deus, essa entidade incompreensível para a razão humana. É preciso crer, não compreender. A força não está na razão, e sim na fé.”