Assim podemos pacificar nossas guerras internas

O assunto escolhido para este artigo é, sem dúvida, impactante, podendo ocasionar algum tipo de estranheza. Alguns poderão perguntar-se por que um espaço que versa sobre espiritualidade traria à discussão um assunto desta natureza. E nós responderemos que o motivo se dá porque falar de espiritualidade é, de fato, falar da realidade, e os conflitos internos são uma constatação presente na humanidade.

Sabe-se que o vocábulo “guerra” tem origem germânica. Vem da palavra werra, cujo significado inicial não era o de conflito belicoso e cruel, mas algo próximo da ideia de discordância, que podia surgir de uma discussão verbal irrelevante e culminar, na pior das hipóteses, em um duelo. Resgatando seu sentido primitivo é que vamos conduzir nossos estudos. Ao analisar as causas dos conflitos, sobretudo no que se refere aos conflitos internos, vemos que eles se apoiam na ideia de discordância.

É uma realidade indiscutível que os seres humanos estabelecem internamente planos e projetos para suas vidas. Todos têm um ideal a ser realizado. Consciente ou inconscientemente aspiram a algo, projetam situações. Entretanto, quando ocorre distonia, ou seja, contradição entre o discurso interno e a prática externa, a frustração se estabelece.

Nesse sentido, o paradoxo é constrangedor a quem o experimenta, e suas consequências são angustiantes e dolorosas. Eis, diante de nós, a raiz do conflito pessoal: por um lado, a pessoa sente a necessidade de exprimir-se com liberdade, intenciona atuar de determinada forma, mas ao mesmo tempo encontra barreiras que, não raro, são erguidas por ela mesma, impossibilitando-a de agir de acordo com o que intencionava. Estilos de vida desarmônicos e tensos podem ter início na infância, quando a criança é sobrecarregada emocionalmente por seus responsáveis e se torna incapaz de exprimir adequadamente o que está sentindo.

Conflitos internos. A ausência de transparência no diálogo interno, isto é, a falta de sinceridade para consigo mesmo, produz uma personalidade instável e, por conseguinte, pusilânime. Poderíamos citar um sem-número de fatores que geram ou ampliam os conflitos internos, quais sejam: as frustrações afetivas, a convivência familiar traumática, a inveja, a maledicência, a ociosidade, a melancolia, as más companhias, o impulso à transferência de responsabilidade, entre outros. Entretanto, o que queremos ressaltar é que, sejam quais forem as causas geradoras dos conflitos, todos possuem atributos e faculdades espirituais latentes para superá-las.

O conjunto de causas que levam o ser humano à instabilidade emocional e à deflagração de quadros angustiantes representa terreno fértil para o florescimento de fantasias e tabus. Na busca irrefletida por receitas prontas que resolvam seu problema, a pessoa fixa na pseudoideia de má sorte e tenta soluções as mais disparatadas, terminando por descambar para o desequilíbrio psíquico e para os transtornos psicóticos de toda ordem, cujos efeitos desagradáveis já foram mencionados, de passagem, nas considerações iniciais.

O ponto de partida do pensamento espiritualista sobre a questão dos conflitos internos repousa na clara constatação de que, pelo fato de ser racional, o ser humano é soberanamente livre para decidir sobre seus atos. Nesse sentido, seu equilíbrio interior depende do exercício da força de vontade, caracterizada por seu dinamismo interno, e não de elementos ou rituais externos. A liberdade é uma faculdade espiritual, e não uma finalidade em si; portanto, deve ser usada criteriosamente. O uso adequado do livre-arbítrio torna a caminhada humana mais nobre e digna, ensejando descobertas auspiciosas que se dão de forma espontânea, nunca impostas.

A contemporaneidade é marcada por um momento de rápidas e intensas transformações, por um anseio contínuo de novidades. De outra parte, manifesta seu descrédito em propostas de perfil mais conservador. Na visão delineada, as orientações mais tradicionais podem soar ultrapassadas e obsoletas. Todavia, os modernos avanços tecnológicos e as conquistas científicas nos mais diversos campos não conseguiram pôr fim aos conflitos humanos, quer em âmbito interno, quer na esfera das relações intersubjetivas. E por que isso acontece? Precisamente porque o aparato científico, cujo paradigma é empírico, não leva em consideração em suas análises a realidade espiritual.

É imperioso compreender que negar a espiritualidade não significa ser mais objetivo cientificamente, mais intelectualizado ou coisa que o valha. Muitíssimo ao contrário: revela simplesmente um preconceito que exclui de antemão a possibilidade de uma dimensão da realidade, a qual, diga-se de passagem, é a mais importante, precisamente por ser ela o suporte de todas as outras realizações.

Paz interior. Na questão dos conflitos internos, não se pode alimentar o pensamento ingênuo de que eles se resolverão tão somente por uma causa externa. A convicção de que, no campo subjetivo, tudo depende de nós, da qualidade de nossos sentimentos e pensamentos, de nossa atitude perante a vida, imprime um grande impulso ao compromisso de conquista da paz interior, na consciência de que ela não pode existir sem o cumprimento de deveres, sem critérios morais elevados e sem amor-próprio.

Reafirmamos que não teria propósito a vida se ela não tivesse uma finalidade superior. A ideia ilusória de que a vida física abarca tudo produz terríveis conflitos. Confiando integralmente no mundo físico, cuja fragilidade é evidente, o ser humano, enfraquecido pelo desencanto próprio das imposições materiais, vivencia o esvaziamento de seus referenciais e ideais.

Nunca é demais ressaltar que Força e Matéria compõem a realidade como um todo, como enfatiza o Racionalismo Cristão. Essas duas dimensões não podem ser consideradas antagônicas, nem separadas, pois daí resultaria o perigo do dualismo e o equívoco do maniqueísmo, com suas consequências não somente a nível emocional, mas também afetivo, intelectual, mental e, sobretudo, espiritual. Força e Matéria são duas realidades que não se excluem, mas se entrelaçam. Precisamente por esse fato, seus estudos e pesquisas devem ser desenvolvidos em harmonia. Aqueles que de algum modo ampliam o sentido espiritualista na apreciação dos fatos desenvolvem a autocompreensão, sem aceitar as pretenciosas sínteses simplistas, que reduzem a realidade ao que pode ser percebido pelos sentidos físicos.

O ser humano maduro psiquicamente é consciente de seu valor e age de acordo com seus ideais, não se orientando pela perspectiva alheia, nem por amarras emocionais que impeçam o progresso moral. Somente o esclarecimento espiritual e a consequente prática do bem podem transformar positivamente o ser humano. Essa transformação, por seu turno, não significa supressão da dimensão material, pois ela é importante para a manifestação dos valores espirituais.

À medida que o ser humano desenvolve sua força interior e se esclarece sobre sua composição astral e física, as “guerras internas” cedem lugar a batalhas de outra natureza – referimo-nos agora às lutas que o espírito trava contra seus impulsos agressivos e suas tendências inadequadas. Essas lutas devem ser conscientes e conduzidas inteligentemente, pois, ao invés de produzir sofrimentos, suavizam-nos – isso quando não os eliminam. Cumpre, portanto, assinalar a existência de uma profunda diferenciação entre as chamadas “guerras internas”, fruto do desconhecimento da vida em seu aspecto mais abrangente, e as lutas que todos nós temos a obrigação de travar contra nossas imperfeições. Quanto mais elevados são os ideais, maiores são as dificuldades. Sejamos fortes!