Como driblar as dores no jogo da vida?

Em todos os períodos, por mais remotos que sejam, e em todos os lugares, o ser humano sempre buscou formas de evitar dores e sofrimentos, desde seu estágio mais rudimentar até seu nível atual de desenvolvimento. 

Em razão disso, consolidou-se em grande parte da sociedade um pensamento simplista e outras mentalidades que poderíamos chamar materialistas, que coincidem em limitar a vida aos aspectos do sofrimento e da dor, como se ela se resumisse nisso. Aqueles que assim pensam desconhecem a profundidade da vida, ignoram seu aspecto amplo e profundo. 

A experiência do ser humano esclarecido espiritualmente através do Racionalismo Cristão ensina-lhe precisamente o contrário: não existe sofrimento, por mais intenso que seja, que não traga em seu bojo uma importante lição, que em curto, médio ou longo prazo repercutirá em benefício próprio e muitas vezes coletivo, desde que assuma uma postura de resignação, abertura e convicção de que não existem punições ou castigos divinos.  

Hoje em dia, grande parte da sociedade critica a vida de forma constante e exagerada. Essa crítica deve ser considerada com seriedade e não simplesmente posta de lado, alegando-se falta de compreensão; ela não poderá ser anulada por meio do distanciamento daqueles que já se esclareceram; muito pelo contrário, é no intercâmbio fraterno que diminuirão as tensões características da vida e ampliar-se-á a compreensão dos fenômenos que a envolvem.  

É importante, antes de procurar estabelecer pontos de uma possível resposta ao tema proposto, analisar com mais profundidade a essência da própria dúvida em si. Por que pretendemos saber eventuais formas de desviar-nos das dores? A resposta não é tão óbvia como pode parecer, e uma vez estabelecida, outras dúvidas surgirão espontaneamente. Na verdade, queremos refletir também sobre a necessidade constante do ser humano de estabelecer questionamentos e balanços existenciais. À medida que nos aprofundarmos nessa reflexão, estaremos em melhores condições de lidar com as dores.    

 “Uma vida sem busca não merece ser vivida”. Essa é uma afirmação atribuída a Sócrates, na qual acreditamos firmemente. Na realidade, estamos buscando algo a todo momento; a necessidade de realização é uma constante no gênero humano. E por que isso acontece? Sem dúvida porque todos temos possuímos vocação à plenitude, ao aperfeiçoamento e ao desenvolvimento contínuo e cada vez mais intenso. Com base nessa premissa, podemos refletir que as dificuldades, dores e sofrimentos que venhamos a vivenciar significam, na imensa maioria das vezes, oportunidades de crescimento, de aperfeiçoamento. 

Assim, como driblar as dores no jogo da vida? 

O Racionalismo Cristão nos fornece elementos positivos para afirmar que uma forma segura de desviar-nos das adversidades no jogo da vida é orientar nossa existência sob a égide da razão, procurando direcionar nossas ações de acordo com princípios de elevada conduta.  

A ação correta, quando desempenhada com o fim exclusivo de livrar o ser humano de eventuais situações angustiantes, não deixa de refletir, em verdade, um pensamento mesquinho que sustenta ideologicamente uma sociedade que tende a tornar-se cada vez mais impessoal, que acredita que os meios justifiquem os fins. 

A autêntica forma de ação racional só pode ser considerada como tal quando sustentada por valores éticos-morais sem os quais a pessoa se vê perplexa diante dos embates da vida. Sem dúvida, há formas de evitar dores e sofrimentos desnecessários. Sempre que o ser humano age no sentido de respeitar a si próprio e a seu semelhante como uma extensão de si mesmo, trabalha na edificação de uma vida mais suave e consegue superar corajosamente os desafios que se lhe apresentam. 

Em um primeiro momento, “dor” e “sofrimento” parecem vocábulos sinônimos; contudo, há uma diferença conceitual. Enquanto a dor se conecta ao aspecto fisiológico, o sofrimento tem uma dimensão psíquica. Entretanto, não nos interessa o peso semântico dessas definições nem suas eventuais polivalências; interessa-nos sobretudo o ser humano, pois é ele quem padece e a ele dirigimos nossa atenção. 

A dor e o sofrimento conduzem, não raras vezes, a um voltar-se para a transcendência, como também a um exame da própria vida. Esse modo de compreender o aspecto pedagógico desses sentimentos liberta o ser humano de especulações desnecessárias. Essa liberdade, por outro lado, deve redundar também como capacidade de repúdio a tudo aquilo que é moralmente inadequado, a tudo aquilo que dificulta o crescimento pessoal. 

Uma visão da dor desligada de qualquer referência à espiritualidade conduz à negação de seu sentido e limita a experiência humana aos aspectos circunstanciais, empobrecendo-a radicalmente. Eis por que insistimos na ampliação de perspectivas e na análise dos fatos sempre através do prisma da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão. 

Para tornar a sociedade mais humana e, por conseguinte, mais digna, é necessário torná-la mais espiritualizada. Não se pode regular a vida com o único objetivo de buscar o prazer ou evitar a dor – limitar-se-ia demasiadamente a experiência humana. Como dissemos anteriormente, é legitima toda ação que procura evitar o sofrimento, bem como toda ação que procura o prazer circunscrito nos limites da razoabilidade, mas também queremos deixar claro que é por meio do cultivo das virtudes que o ser humano pode mudar positivamente sua própria realidade, impactando o mundo a sua volta. A mudança à qual nos referimos não se traduz na anulação da realidade material, com a respectiva dimensão do sofrimento. Quem acredita ser possível uma vivência espiritualizada apartada da realidade material engana-se totalmente. Espiritualidade e materialidade não são compartimentos estanques, nem conceitos que se anulam. Todas as dimensões se interpenetram, e em todas elas há possibilidades de desenvolvimento. Aí reside a beleza do processo em que a humanidade está inserida. 

Sabemos que não é fácil para o ser humano visitado pela dor e pelo sofrimento manter o equilíbrio e a calma na apreciação dos fatos. Todavia, temos profunda convicção de que as virtudes humanas adquiridas pelo desenvolvimento dos atributos espirituais fornecem a cada um os subsídios necessários para o alcance da verdadeira felicidade, que não tem relação, como já demonstramos, à ausência plena da dor. 

Quando despertamos para a espiritualidade, ficamos livres de condicionamentos e padrões sem sentido, de expectativas angustiantes e de preocupações quanto aos julgamentos das pessoas. Conscientes de nossa essência espiritual e de nossa origem, sentimo-nos íntegros e saudáveis. As dores e os sofrimentos não encontram receptividade em nosso interior. No momento em que nos compenetramos dessa realidade, os sentimentos negativos se transformam pela ação do esclarecimento espiritual, nossas ações produzem bem-estar e satisfação e, por conseguinte, a vida começa a fluir positivamente, independentemente dos desafios e percalços a que todos estamos sujeitos. 

Muito Obrigado!