Como estabelecer um limite justo entre a disposição de fazer mais pelos outros e a necessidade de cuidar de si?

No início da nossa reflexão, convém expor desde já: o vínculo que liga o ser humano espiritualmente esclarecido ao sentimento de amor ao próximo e ao respeito à dignidade humana é tão forte que, mesmo nas atitudes mais simples da vida cotidiana, esse elo não se deixa de reforçar, na medida em que a pessoa exterioriza no meio em que convive a impressão memorável de uma conduta generosa, receptiva, fraterna e, sobretudo, abnegada.

As informações e subsídios que aqui reunimos sinteticamente têm por objetivo auxiliar os estudiosos da espiritualidade, divulgada e defendida pelo Racionalismo Cristão, em sua abertura à amplitude da convivência fraterna, a fim de que esta seja mais valorizada entre nós como um fator preponderante que habilita o amadurecimento espiritual, permitindo a construção de uma sociedade mais harmônica e menos egoísta.

Uma das expressões mais marcantes da atualidade é a forte tendência ao individualismo. Daí resulta, em grande parte, a crise moral, econômica e civilizatória que vivenciamos atualmente. Essa crise fundamenta-se no desprezo aos valores do espírito e na consequente dificuldade de vislumbrar no ser humano seu valor e dignidade. Essa caracterização da sociedade atual não deixa de impressionar: representa uma distorção total do altruísmo – ideal de virtude e elevação –, cuja beleza atrai aqueles que se abrem para os aspectos transcendentes da vida.

Ao deixar de reconhecer o semelhante como uma extensão de si mesmo, o ser egoísta não percebe a necessidade do auxílio mútuo e da solidariedade no campo das relações humanas. Ao afastar-se do outro, negando-lhe auxílio, orientação e amparo, a pessoa, além de rechaçar a plenitude da própria personalidade, compromete o metabolismo da alma, experimentando um duplo prejuízo: em primeiro lugar, priva-se de desenvolver a enriquecedora virtude da abnegação, que, em grande parte das vezes, é de incalculável fecundidade; em segundo lugar, vivencia uma perda angustiante de sentido da vida, pois age em posição contrária à razão, à moral e à ética, que a impelem constantemente a relacionar-se, socializar-se e criar vínculos de cooperação e amizade. Sem dúvida, há uma reserva de afeto em todo ser humano, e este sente-se frustrado e infeliz ao bloqueá-la.

É preciso reconhecer que, ao estendermos a mão a nosso semelhante num gesto de afetividade e respeito, estima e consideração, além de estar concorrendo para a construção de um humanismo sadio e autêntico, também estaremos gozamos de indescritível bem-estar. Uma experiência de vida lastreada pela ética não comporta em si o desprezo pelos problemas humanos.

Nesse aspecto, o altruísmo deve ser considerado um traço fundamental da moralidade, representando, portanto, a antítese do egoísmo cego, interesseiro, materializado. No contexto do egoísmo, toda ação é autointeressada e egocêntrica, pois este se fundamenta, em última análise, tão somente no bem-estar do agente. Diante da simplicidade dessa formatação, não devemos subestimar nem os profundos malefícios da conduta particularizada e individualista, nem os intensos benefícios da ação sincera e desinteressada. O ser humano desprendido usufrui de constante paz e serenidade; na alma do egoísta, todavia, sobressaem reiteradamente a ambição e o despeito.

Felizes seremos ao agir com solicitude e benquerer em relação às pessoas com quem tivermos a oportunidade de conviver, em virtude da calma que espontaneamente sentiremos. Ora, se é verdade que a felicidade consiste no sentimento de paz, se é autêntico que não há paz neste mundo além daquela que reside na consciência do dever cumprido, se é certo que a consciência só está tranquila quando o ser humano canaliza suas energias para a prática do bem, quem duvida que o amor ao próximo, exteriorizado em atitudes concretas, seja o grande fator da paz e da felicidade?

Aqueles que adotam a solidariedade como um dos princípios norteadores da vida dão ao mundo uma poderosa demonstração de respeito à humanidade, inspirando outras pessoas a agir da mesma forma, ao mesmo tempo que bloqueiam em si os impulsos egoísticos, companheiros da arrogância, que debilitam as virtudes e impedem o desenvolvimento da personalidade.

Efetivamente, não basta reconhecer a importância de nosso auxílio e de nossa presença junto àqueles com que convivemos. É preciso um passo a mais. É necessário estender a mão a quem necessita de apoio, isto é, ter atitudes que se traduzam objetivamente na conduta, em consonância com padrões éticos e de elevada moral, que se revelem na disposição da pessoa em pôr-se no lugar do outro, a fim de compreendê-lo e auxiliá-lo, com sabedoria e fraternidade, sem jamais o julgar ou constranger – assim o altruísmo resplandece com a glória de uma verdadeira virtude.

Todavia, convém ressaltar que, para prestar um auxílio efetivo a nossos semelhantes, é necessário primeiramente que respeitemos nossos limites e nos fortaleçamos espiritualmente, como nos ensina o Racionalismo Cristão. Discernimento, sinceridade, parcimônia, equilíbrio, razão e, sobretudo, benquerer são valores indissociáveis de uma existência autêntica e benfazeja, estabelecendo, em conexão com o pensamento disciplinado e organizado, um limite justo entre a disposição de fazer mais pelos outros e a necessidade de autopreservação. A retidão de caráter e a dignidade da atitude são qualidades primordiais a serem alcançadas pelo ser humano, que muito avança nesse sentido quando busca fortalecer-se para auxiliar.

Não pratica o altruísmo aquele que exagera no uso do tempo que dedica aos semelhantes, precipitando-se de modo afoito em todas as atividades beneficentes que lhe são apresentadas, mostrando-se constantemente apressado e ansioso. Nesse passo, seus atos jamais repercutirão na proporção de sua boa intenção, pois somente o equilibrado aproveitamento do tempo articulado com o uso inteligente da energia pessoal constroem de maneira sólida o magnificente edifício do auxílio ao próximo.

Na curta extensão destas linhas, não conseguimos, obviamente, abordar todas as facetas do tema; tampouco pretendíamos alcançar tal objetivo. O que queríamos deixar claro é que antes de se indagar dos limites de sua ação altruísta, o estudioso da espiritualidade deve saber encarar e entender os conceitos de abnegação, autopreservação, como também a conexão entre um e outro, não necessariamente para seguir um modelo inflexível de ação, uma fórmula pronta e estática, mas para se manter lúcido e atento às circunstâncias e não confundir benevolência com autoanulação.

O altruísmo é uma expressão do amor autêntico, e este reside originalmente na vontade, e não nas emoções; assim sendo, não há que confundir a disposição em agir desinteressadamente em favor dos seres humanos com expressões desordenadas de sentimentalismo. Em síntese, aquele que tem satisfação moral em auxiliar seu semelhante percebe a necessidade evidente de fortalecimento espiritual e disciplina, sem os quais sua ajuda tende a não ser efetiva e duradoura, podendo inclusive ter um efeito contrário ao pretendido. Sem a conexão entre razão e espiritualidade, há risco de que o altruísmo padeça de seu próprio excesso.

Para concluir, gostaríamos de deixar nítido que a dimensão espiritual é um elemento-chave na compreensão do valor do altruísmo e do verdadeiro sentido do amor aos semelhantes. Esse entendimento é reforçado, amigos, pelo fato de não haver dentro do âmbito das análises materialistas reflexões de importância comparável às existentes no campo abrangente e plural da espiritualidade racionalista cristã.

A exteriorização de respeito e benquerença que o ser humano bem-intencionado pode prestar ao conjunto da humanidade não é tanto a do elogio fácil de tom aclamatório, mas a do austero esforço de compreensão e amor verdadeiro por seus semelhantes.

Muito Obrigado!