O sentimento de culpa sempre mobilizou, em maior ou menor medida, os seres humanos ao longo da história, e a contemporaneidade não constitui exceção a esta regra. Há, portanto, que destacar a relevância e a atualidade do presente tema, em cujo conteúdo não ressai nenhum aspecto de caducidade.
Nesse contexto, o sentimento de culpa e suas consequências apresentam especial interesse aos nossos estudos em conjunto, haja vista as perspectivas originais que se abrem quando analisados à luz da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão. A noção de culpa adquire aí uma ampliada significação e uma diversidade de sentidos.
Ao contrário de uma abordagem superficial ou desconexa do tema “culpa”, como sói acontecer nos estudos que reduzem o ser humano a um composto biológico, circundando-o equivocadamente ao campo material, a presente reflexão pretende expor uma construção conceitual bem mais ampla, que permita à pessoa angustiada entender a necessidade de se despojar de ressentimentos obsoletos e de traumas dolorosos que, gerados pelas culpas do passado, muitas vezes a impedem de amadurecer e avançar na vida.
A autorreflexão significa para o ser humano abertura a novas perspectivas, que sejam incondicionadas e livres de preconceitos. É na intimidade que todos têm a possibilidade de se reconhecer, entendendo a essência e o sentido da vida. Esse tema ecoa, de certa forma, a necessidade humana de entender a si próprio para depois identificar os fatores que impedem o progresso individual, quer do ponto de vista psíquico, quer do ponto de vista moral.
Padecem de certa lucidez e racionalidade as análises feitas pelo ser humano transtornado pela culpa. Suas observações desfiguradas e exageradas resultam do fato de que, tendo-lhe subtraído o desequilíbrio por que passa a capacidade de discernir com acerto as situações, a pessoa tende a atribuir aos fatos e fenômenos conotações que, na realidade, inexistem. Desse pressuposto, deduz o estudioso do Racionalismo Cristão que o sentimento de culpa alimentado de forma doentia não só bloqueia as melhores iniciativas de seu portador, impedindo-o de avançar em seus projetos, como também o debilita espiritualmente, fazendo-o sofrer e desgastar-se em atividades inócuas e contraproducentes.
O ser humano, examinando com rigor e atenção, desvelo e solicitude os fundamentos – por vezes abundantes – que originaram a crise de culpa que o paralisa e prejudica, empreendendo uma pesquisa real das causas, certamente encontrará os mecanismos eficazes para contorná-la. Podemos, sem obstáculo, enumerar alguns fatores dentre os que contribuíram para essa crise: falta de lealdade; insuficiente formação humana, moral e espiritual; forte tendência a favorecer os interesses pessoais e egoísticos; e, por fim, uma preocupação exacerbada por amealhar bens materiais em detrimento de bens espirituais – estes, sim, imperecíveis e libertadores. É preciso reagir energicamente contra esses fatores, acionando a força de vontade, o raciocínio e a inteligência na busca incessante do bem, na prática do amor a si próprio e ao próximo, pois essas atitudes libertam e fortalecem, trazem bem-estar, iluminam a razão e o bom senso.
Com certeza, a constante análise e depuração das reminiscências e lembranças apresenta-se como uma condição imprescindível para uma experiência humana intensa e frutífera, que reconheça a vida como uma rica oportunidade de desenvolvimento a ser valorizada e respeitada.
A revisão dos arquivos mentais, mediante uma renovada e lúcida consciência com o escopo de filtrá-los com inteligência e humildade, escoimando-os de negatividades e remorsos, contrições e lamentações, consiste em um processo que visa à libertação do ser humano das amarras de um passado próximo ou remoto que causa pungentes angústias e dores lancinantes.
Sem dúvida, há erros de difícil reparação, fomentadores de um sentimento de culpa tão arraigado quanto absorvente. Contudo, mesmo quando não é possível reduzir em termos mais simples um problema por ser demasiado dramático e complexo, podemos nos perguntar: até que ponto vale a pena sofrer por uma situação irremediável?
Coragem, brio e determinação representam, antes de tudo, atitudes que estão na base do reconhecimento sincero e humilde dos erros e equívocos cometidos. O ser humano que procura diligentemente adquirir essas virtudes recebe de forma inevitável o influxo benfazejo das melhores intuições e inspirações, que o fortalecem no sentido do arrependimento sincero e, sobretudo, da ação objetiva de reconstruir, quando possível, as relações afetadas e os laços desfeitos.
A capacidade de reconciliação com o semelhante e consigo mesmo constrói a pessoa pouco a pouco, numa seleção racional de valores e princípios continuamente assimilados, até que essa alcance a maturidade espiritual para, a partir daí, assumir o protagonismo de um processo que flui transcendentemente, impulsionando-o a colaborar para o progresso espiritual próprio e do conjunto humano.
Apenas uma ação decidida levada adiante com total honradez e lisura poderá restabelecer o respeito e a benquerença dos seres que sofrem o sentimento de culpa em relação às pessoas que ofenderam ou lesaram. Isso deve surgir, antes de tudo, do exame honesto da própria consciência, da renovação interior e do apuro moral.
O sentimento de culpa pode demonstrar, em certa medida, os germes de um caráter que se quer emendar, que almeja a reconciliação – por isso é preciso respeitar e apoiar quem padece dessa angústia. Muito pior e de mais difícil emenda parece-nos a situação daquelas incontáveis pessoas que, em todos os setores e por toda parte, transitam ostentando atitudes afáveis, modos educados, gestos estudados; sempre prontas a “ajudar”, mostram-se externamente muito prósperas e solícitas, mas, por dentro, alimentam os piores sentimentos em relação a seus semelhantes. São sofisticados hipócritas, cheios de inadequado amor-próprio, que desconhecem o sentimento de culpa e, por isso, mais distantes estão da verdadeira felicidade, que brota do reconhecimento dos próprios erros.
O esclarecimento espiritual a que tanto aludimos, fruto da abertura aos valores transcendentes, do cultivo das virtudes, de uma vida simples e reta, como nos recomenda o Racionalismo Cristão, renova o sentido de responsabilidade, faz crescer a solidariedade e aprofundar a solicitude por todos os membros da família humana.
Também esperamos que aqueles cuja dor de consciência, felizmente, não afligem nem perturbam, tendo assimilado os subsídios sinteticamente reunidos na presente reflexão, sejam encorajados a fazer de suas vidas um exemplo a ser seguido, ou seja, a cooperar mais efetivamente na vida daqueles que ainda não vislumbraram a beleza e a fecundidade dos valores racionalistas cristãos.
Muito Obrigado!