Dor e sofrimento
Ao longo da História, muitos filósofos trataram objetivamente do tema que escolhemos para fazer nossas reflexões. Citemos apenas dois filósofos alemães: Arthur Schopenhauer (1778-1860) e Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900). Fixemos nossa atenção neste último que, embora tido como um filósofo pessimista, semeou a ideia de que sofrer tem um significado muito mais amplo do que simplesmente isso. Ele, ao contrário da opinião popular, nos transmitiu que o sofrimento é algo vantajoso na vida das pessoas. Para ele, ninguém alcança o sucesso ou evolução sem superar dificuldades e este processo causa sofrimento.
Estamos diante de um assunto – dor e sofrimento –, de alto interesse para todos nós, que não são conflitantes; ao contrário, por algumas vezes eles se complementam e, em outras, possuem conceituação e realidades diferentes. Nossa vivência nos leva a tê-los sempre presentes nas nossas mentes. Pensar ou falar da dor e do sofrimento de antemão, de alguma forma, faz-nos retornar às nossas vivências, trazendo à nossa mente imagens que precisamos esquecer, por serem dolorosas, sem qualquer necessidade para ficar martelando nossas cabeças. Estes dois conceitos são de natureza subjetiva, mas a eles podemos associar as dimensões psíquicas, mentais, sociais, religiosas e espirituais.
Do ponto de vista geral, o sofrimento pode ser considerado como uma sensação mais abrangente, existencial, complexa e global, enquanto a dor é uma percepção mais ligada aos nossos sentidos físicos e sujeita a uma resposta imediata do nosso sistema nervoso central e periférico. Apesar dessa diferenciação de ordem objetiva, eles podem reforçar-se um ao outro em certas situações. Por exemplo, uma sensação ou sofrimento de angústia ou de estresse normalmente acentua a dor física, ocasionando doenças psicossomáticas. Também, a dor física pode ocasionar reflexos no sofrimento como no caso, por exemplo, de uma pessoa que se defronta diante de uma doença incurável que, por medo de morrer, sentimento universal, intensifica o sofrimento.
No decorrer de nossas vidas, passamos por altos e baixos, com nosso corpo funcionando sistematicamente saudável, com todos os sistemas e funções operando harmonicamente. As disfunções são exceções à regra que, normalmente, nos levam a adquirir doenças, obviamente indesejáveis. Mas ninguém está dispensado de passar por algumas delas como as de ordens física, psíquica, espiritual, social ou por diferentes combinações destas, o que acentua a complexidade das dores e sofrimentos neste mundo, provocados por disfunções as mais diversas. Exemplo de uma dor complexa é a dor da perda de um parente ou de um amigo próximo. Podemos citar alguns exemplos muito comuns como o sofrimento ou dor do abandono, a dor do desprezo e por aí vai.
Nos meus livros anteriores tratei, muitas vezes, dos temas dor e sofrimento, principalmente neste último, questões existenciais que englobam doenças as mais diversas, inúmeras emoções (raiva, ira, ódio, inveja, falta de amor – são estas as principais), as injustiças das leis terrenas, os acidentes de todos os tipos, o risco de sermos vítimas de bandidos etc.
É interessante assinalar que Shopenhauer relacionava o sofrimento ao impulso do desejo, ou seja, o desejo tem origem numa necessidade imperiosa que precisa ser satisfeita. Enquanto a pessoa não encontrar satisfação no desejo, o sofrimento estará presente. É conhecido de todos nós que nenhuma satisfação dura para sempre. Por isso, ao completarmos um desejo, outros surgem em ciclos continuados de novos desejos. Assim, vemos o sofrimento sempre ligado ao desejo na luta por sua satisfação em todos os momentos de nossa vida. O importante é que somente a vontade firme e forte pode destronar o desejo.
Shopenhauer considerava a vontade como a essência metafísica do mundo e da conduta humana e, consequentemente, a verdadeira fonte do sofrimento. E por que é assim? Porque todas as formas da vontade estão sempre ligadas à vontade de viver, a qual é diferente para cada pessoa. Então, o indivíduo que sofre a dor física, percebe situações como essas como um mal. No entanto, espiritualmente falando, devemos encarar a dor ou o sofrimento como um bem, um desafio para a evolução individual ou até mesmo coletiva. São dele essas palavras: “a dor e o sofrimento, enquanto mortificação e encaminhamento para a resignação, possuem em potencial uma virtude santificante. É isto que explica por que uma grande infelicidade, um sofrimento profundo, merece sempre um certo respeito”.
Portanto, as ideias de Schopenhauer deixaram claro a forma de ver a realidade do mundo, bem como o que nele acontece ao nosso redor. Ele via a vontade como algo que é una, indizível e infinita e não uma vontade finita, individual, tudo isso amparado pela consciência que cada um invoca ao realizar o seu intento. E, sendo a vontade infinita, ela nos leva à insaciabilidade, o que nos conduz a um conflito que resulta em dor e sofrimento. Daí, Schopenhauer descrever o sofrimento como “apenas uma vontade que não está satisfeita, e que está contrariada: mesmo a dor física que acompanha a desorganização ou a destruição do corpo não tem outro princípio; o que a torna possível é que o corpo é a própria vontade no estado de objeto”. É preciso refletir demoradamente sobre os dizeres deste filósofo.
Para concluir este nosso pequeno ensaio sobre dor e sofrimento com ampla referência ao filósofo Schopenhauer, podemos dizer que a vida humana sempre estará sujeita à dor e ao sofrimento, verdade essa confirmada por Luiz de Mattos: “O sofrimento faz parte da vida humana e ninguém está livre dele”.
Caruso Samel
Escritor, militante da Filial Butantã (SP)