Egoísmo generalizado: novo mal do século?

Ao considerar o tema do egoísmo e sua possível generalização em determinado momento histórico, impõe-se uma condição: devemos precaver-nos contra possíveis equívocos, evitando desenvolver ideias minimizadoras e preconceituosas. 

 É inevitável que existam concepções divergentes a respeito desse tema. Precisamente por isso, queremos ressaltar, já neste preâmbulo, que não estamos afeitos, enquanto estudiosos da espiritualidade, à ideia de generalização no que se refere às atitudes humanas, embora reconheçamos uma intensa manifestação da mentalidade subjetivista e individualista no mundo contemporâneo. 

Existe, sem dúvida, uma realidade facilmente reconhecível nas manifestações do comportamento humano. Trata-se de uma realidade tão notória, que dispensa maior aprofundamento conceitual. Referimo-nos ao egoísmo.  

Num sentido de verdadeira análise crítica da sociedade, pode-se entender o egoísmo exacerbado de nosso tempo, que dificulta enormemente a coexistência humana em todos os níveis, como uma consequência, até certo ponto natural, do paradigma imediatista que marca a atualidade. É possível que daí resulte a associação entre a difusão do egoísmo e a contemporaneidade. 

Os seres humanos, ao preocupar-se exclusivamente consigo mesmos, estão evitando a plenitude de sua própria personalidade, o que significa que estão estagnando seu progresso pessoal e sobretudo moral. Em termos espiritualistas, o progresso consiste no intercâmbio fraterno entre os seres humanos e na religação destes com a própria essência da vida, a Inteligência Universal.  

A sociedade deve encarar a questão do egoísmo com a máxima preocupação e seriedade. A superação deste desafio fundamenta-se na ampliação de perspectivas no campo da espiritualidade, uma vez que o problema se inicia com a perda da visão de conjunto.  

É o entendimento acerca da realidade que transcende os aspectos materiais que desperta nas pessoas a consciência de quem realmente ela é e o que está fazendo neste planeta. Essa consciência deve produzir uma ação concreta, uma mudança de mentalidade e atitude, uma convergência para os valores éticos e verdadeiramente humanos, a fim de que eles sirvam de referencial para a construção de uma identidade mais justa e equânime. 

São inúmeras as ações dentro da sociedade que procuram diminuir os processos egoísticos presentes em seu seio. Entretanto, essas iniciativas desconsideram, na maioria das vezes, a importância do esclarecimento espiritual; por essa mesma razão, percebe-se nitidamente que a crise se acentua, apesar do crescimento dos movimentos preocupados em revertê-la. 

Aqueles que adotam a solidariedade, que é o antídoto para o egoísmo, como um dos princípios norteadores da vida dão ao mundo uma eloquente demonstração de respeito à humanidade, inspirando outras pessoas a agir da mesma forma, ao mesmo tempo que bloqueiam em si os impulsos egoísticos que impedem a construção da própria felicidade. 

A contradição existente entre guerra e paz tem por fundamento a oposição destes dois sentimentos: egoísmo e solidariedade. O primeiro é a base do conflito, pois reduz a visão de conjunto; o segundo é o produtor da paz, precisamente porque amplia essa visão.  

Identificamo-nos, sinceramente, com todos aqueles que, ainda que não estejam filiados a nenhuma instituição beneficente ou de fins semelhantes, procuram constantemente exercitar a renúncia e o desprendimento, prestando auxílio a quem o necessite. Percebemo-los como verdadeiros combatentes do egoísmo e promotores da solidariedade – o antídoto do egoísmo, como dissemos.  

Sendo o egoísmo o apego excessivo aos próprios interesses, somos levados a referenciar mais uma vez a importância do esclarecimento espiritual como base da harmonia individual e coletiva.  

O ponto de vista espiritualista sobre temas fundamentais da moral, da sociabilidade e das expressões artísticas e científicas potencializa a esperança na produção de uma autêntica solidariedade, cooperando na preservação da amizade, da liberdade e da família para fins de desprendimento e comprometimento com o próximo. Isso repercute também no combate à destruição do ecossistema, gravemente afetado pela crise de egoísmo que marca nosso tempo. A prática do bem contribui para reverter ações promovidas pelo egoísmo humano. 

Dialogar sobre temas tão importantes como o egoísmo, o individualismo e a prepotência, procurando reinterpretá-los à luz da transcendência e da ética, constitui seguramente um caminho de construção de uma sociedade mais fraterna e, por conseguinte, menos preocupada com os próprios interesses. 

Quanto à questão do egoísmo, esperamos ter demonstrado que não há uma generalização, mas uma tendência que, por seu turno, pode ser revertida à medida que ações que busquem informar e esclarecer, são multiplicadas pelo exemplo concreto dos que se identificam com os valores divulgados e defendidos pelo Racionalismo Cristão. 

Muito Obrigado!