Em cena, Ásia e Oriente Médio
Enquanto fúria e fogo abraçam os programas nucleares da Coreia do Norte e Irã, esquiva-se sua dimensão real: o palco eurasiano e o equilíbrio de poder, ali. “Há uma corrida armamentista em curso, e está acontecendo na Ásia”, alertou o historiador Robert D. Kaplan, no início desta década. A multipolaridade ganha as relações de poder no continente e, no longo prazo, contam as “águas azuis”, internacionais, linhas de comunicação vitais à China, nos oceanos Pacífico e Índico, principal via mundial de transporte de hidrocarbonetos rumo ao Oriente Médio.
No mar da China meridional e sudeste asiático, a China aumenta os recursos da Marinha. O investimento é pesado na força de submarinos, porta-aviões e Guarda Costeira. Também Japão e Coreia do Sul modernizam suas frotas, bem como a Índia. Patrulhas marítimas de diferentes países, carregadas de alta tecnologia, penetram no Índico e no Pacífico, indo cada vez mais longe de seus portos.
Desde 2010, a China desafia a superioridade militar americana, fazendo valer seus interesses na periferia imediata. Recusa-se mesmo a aceitar decisão de 2016 do Tribunal Permanente de Arbitragem, favorável aos rivais costeiros, clamando soberania em virtualmente todo o mar. Argumento: é parte de sua zona econômica exclusiva.
Para garantir direitos, uma superagência jurídica marítima, fusão de cinco agências, desde 2013 lida com os “violadores” de suas águas territoriais.
Planos de guerra cibernética e a produção de mísseis e armas de destruição em massa acompanham a reza. No contexto nuclear, assiste-se à segunda era (a primeira remonta à bomba lançada sobre Hiroshima, em 1945), a partir de 2005, quando cientistas norte-americanos deslancharam uma nova geração de armas mais potentes. E que parece consumar-se agora, às vésperas de vencer, em 2018, o prazo para a redução, pelos Estados Unidos e Rússia, de suas ogivas nucleares e sistemas de lançamento. Prevê o novo programa de modernização nuclear dos Estados Unidos (sumário em www.armscontrol.org): atualizar os sistemas estratégicos de lançamento de mísseis, bem como complexos de produção nuclear e sistemas de comando, controle e comunicações; renovar ogivas nucleares; criar novos balísticos lançados de submarinos e comprar submarinos mais modernos. Total de custos previstos pelo Escritório de Orçamento do Congresso: US$1 trilhão, no período 2017-2040.
Muito barulho, assim, por nada. Anos a fio de negociações, acordos, tratados, sanções, a corrida só se expande. Quanto mais pobre o país, mais vulnerável e, portanto, mais sequioso da bomba. Defesa é o argumento. Resta conter, refrear as exportações de tecnologia – sempre uma troca de interesses. O clube nuclear oficial inclui Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha e França. Sabidamente, também: Israel, Paquistão, Índia, Coreia do Norte, Irã. Mantêm a ideia ainda sob consideração Itália Austrália, Suécia, Japão e Coreia do Sul. Na África, por causa dos custos do combustível e energia elétrica, detêm capacidade nuclear latente Arábia Saudita, Argélia, Gana, Marrocos, Tunísia, Uganda. Sob suspeita de atividade nuclear não declarada, Síria e Myanmar. Entre os que abandonaram o expresso, as ex-repúblicas soviéticas (Bielorrússia, Ucrânia, Cazaquistão), Líbia (após dez anos de sanções), Egito, Brasil, Argentina, África do Sul.
A Coreia do Norte é tão somente a mais nova potência nuclear asiática. Pivô no Leste asiático, a que se soma o pivô Irã, no Oriente Médio, os desdobramentos de seus programas tendem a afetar toda a região em que se inserem.
A península coreana projeta-se da Mandchúria, da qual é um apêndice geográfico natural, e comanda todo o tráfego marítimo no nordeste chinês. Ambos os países alegam estratégia defensiva – a Coreia do Norte vis-à-vis os Estados Unidos, e também a vizinha China; o Irã, por conta do Iraque e Afeganistão, Israel, Índia e Paquistão. .Por ironia, seu programa, com aval dos Estados Unidos, é anterior à Revolução Islâmica de 1979.
Semelhante ao que fizeram à Coreia do Norte, desprezando o acordo de 1994, os Estados Unidos parecem, agora, propensos, ao repeteco com o Irã e o Plano de Ação Conjunta Abrangente, de 2010. Alguns falcões no governo Trump estariam dispostos a “explodi-lo”. Lembra Kaplan que, “com exceção da península coreana, em nenhuma outra área a proliferação nuclear é um fator mais importante que no Oriente Médio”.
Um fato desponta, flagrante: nunca foi tão fácil tornar-se nuclear. Assim, fúria e fogo abraçam o mundo, não só Coreia do Norte e Irã. Há quem evoque a velho termo da diplomacia da guerra fria, o homem à beira do precipício, para retratar o presente, com suas estratégias suicidas, de empurrar uma situação perigosa até a iminência do desastre, a fim de obter resultados os mais vantajosos. Só que na guerra fria eram apenas dois.
Clecy Ribeiro
Jornalista, professora das Faculdades Integradas Hélio Alonso, RJ