Enfim, livres do mal necessário, mas por pouco tempo: 26 vem aí

Passou outubro; passou rápido, felizmente. Candidatos e partidos estão mais educados ou premidos pela legislação que proíbe sujeira eleitoral nas ruas, nos postes e em todo lugar onde se pudesse pendurar um rosto sorridente, um milhar ou centena (parecia até resultado de jogo de bicho). Grande número ousa infringir a lei confiante na impunidade. Em consequência ainda se veem santinhos espalhados nas calçadas e acumulados nas sarjetas à espera de uma chuva que os leve a entupir bueiros e provocar alagamentos. Que tristeza causa o lixo eleitoral! Agora, com a disputa fisicamente mais limpa, temos a festa – ou guerra – das bandeiras.

Com outubro passaram as eleições municipais. Eleições, materialização da democracia, obviamente são necessárias, mas doem os olhos ver os sorrisos congelados – por que candidato a cargo eletivo ri? Ri de quê? Provavelmente do trouxa que, à espera da compensação pelo voto, lhe dará um emprego recheado de vantagens financeiras, prestígio e considerável parcela de poder – Doem também os ouvidos atacados pelo besteirol e repetitivas balelas de sempre, as promessas de maior atenção aos bairros carentes e suas populações, tipo ‘o asfalto subirá o morro e com ele levará a água potável’, ‘a qualidade da merenda escolar vai melhorar’, ‘as filas nos postos de saúde vão acabar’, ‘trabalhadores e estudantes terão transporte público de qualidade, pontual, seguro e asseado’. Afora os atentados contra o vernáculo e a gramática, tipo “vote ni mim”. E assim se elegem os tiriricas da vida. O cansaço das lorotas já levou à eleição do hipopótamo Cacareco e Macaco Tião. Hoje as maquininhas impedem brincadeiras, porque nome, número e foto do candidato constam do arquivo nelas inserido. Mas há postulante a cadeira de vereador mal informado que promete serviços e soluções de competência estadual e federal.

Quanta mentira! Entra ano, sai ano, passam legislaturas e mais legislaturas, o engodo se avulta e a carência se perpetua. Mudam as moscas, mas a maioria das cadeiras nas prefeituras e nas câmaras municipais acomoda os mesmos glúteos de sempre. Lá foram primeiro e segundo turnos (Ufa!), este nos municípios onde a lei permitia ou obrigava. Os eleitores escolheram prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nos 5.569 municípios do país. O pleito, porém, não termina aí: ainda vêm a diplomação e a posse e, de permeio, uma ou outra anulação de resultado e apuração de uma ou outra denúncia de fraude.

Todos os municípios são importantes e suas populações preocupam-se em saber quais foram os dirigentes e legisladores vitoriosos, e A Razão acompanhou, atenta, a apuração dos votos em seu quintal. O quintal de A Razão, embora de circulação internacional, é a cidade do Rio de Janeiro, onde se situam sua redação, administração e escritório de publicidade, e a sede mundial do Racionalismo Cristão, de que ela é órgão oficial. Não que a política ocupe grande espaço em sua agenda, mas porque é próprio da natureza humana tomar partido nas questões que afetam os cidadãos em geral, e a direção de nossa folha também tem essa preocupação.

Passadas as eleições, consolidados seus resultados, voltam ao noticiário, com a mesma força e intensidade, os fatos do dia a dia que as autoridades, eleitas em outro pleito, não conseguem conter – homicídios, discussões entre integrantes do Legislativo e do Judiciário, algumas vezes com palpites do Executivo. E o futebol. Ah, o futebol! O Campeonato Brasileiro, em sua reta final, chama muito mais a atenção do que chamou a corrida às prefeituras e câmaras municipais. Já quase não se fala nas poucas medalhas alcançadas pelos atletas do Brasil na Olimpíada de Paris. Agora é torcer para que na próxima, nos Estados Unidos, os brasileiros alcancem melhores resultados.

Outro assunto que se vai destacar nas mídias é a corrupção. Mais trabalho, principalmente para os ministérios públicos estaduais e federal e para a Polícia Federal, mais dor de cabeça para o povo cada vez que tomar conhecimento de que um de seus escolhidos para ajudar a gerir as contas de seu município aproveitou para locupletar-se. Pena que nem todos os corruptos são flagrados e obrigados a pagar com as punições que a lei impõe; alguns escorregam pelos capilares dessa mesma lei e, como nos contos de fada, vivem felizes para sempre. Há os que vivem felizes até na cadeia, onde desfrutam de privilégios de que não usufruem todos os apenados, somente os que têm dinheiro para corromper os funcionários de salários miseráveis, comparando-se, por exemplo, com o dos vereadores que eles ajudam a eleger.

É de se perguntar: e agora, o que esperar? Já se sabe que quase a totalidade das promessas de campanha não será cumprida, alguns projetos que, se aprovados, poderiam beneficiar o povo serão lançados no fundo das gavetas, e continuará o apelo coletivo dos eleitos para aumento, a qualquer pretexto, de verbas que eles sempre consideram curtas.

Passou a eleição 2024; entre mortos e feridos salvaram-se quase todos. Alguns tiveram a moral mutilada e lhes convém afastar-se da vida pública, outros perderam e se recolheram, mas há os que, derrotados nas urnas, imploram por uma sinecura, algo que lhes acrescente uns reais às economias, sem necessidade de esforço, claro, tudo à conta dos cofres públicos, ou seja, do dinheiro do contribuinte.

Os eleitores novatos provavelmente não entenderam por que terão de perder outro domingo em outubro de 2026, para eleger presidente e vice-presidente da república, senadores e deputados federais, estaduais e distritais, salvo um ou outro improvável engano das pesquisas, todos conhecidos antecipadamente como num jogo de cartas marcadas. Os mais antigos estão acostumados e já nem protestam contra esta esdrúxula obrigação. Absurdo o cidadão ser obrigado a votar. A Constituição Federal do Brasil estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, a não ser em virtude de lei. O apelo contra isso poderia ser feito aos parlamentares, mudando a lei, mas estes são os maiores interessados nessa participação de todos na festa cívica, porque dela resultam suas prebendas, privilégios e regalias, a começar pela imunidade, a “santa” imunidade neste Brasil de rimas mil.