Este artigo começa com um desagravo a Epicuro e a sua doutrina, cuja reputação tem sido, injustamente, comprometida, desde a Antiguidade até hoje. Tal desagravo é, na verdade, o resumo que fiz de um texto, sobre esse assunto, do escritor norte-americano Henry Thomas.
A bem da verdade, diz o escritor, o problema foi originado pelos próprios discípulos e sucessores de Epicuro. Após a morte deste, eles, encabeçados por um deles, Metrodoro, traíram o mestre ao dar a entender aos novos discípulos que, na verdade, o ponto básico da doutrina epicurista era a procura do prazer na vida. E assim comprometeram, injustamente, a filosofia de Epicuro.
Daí em diante até hoje, a palavra “epicurista” tem sido um dos termos de que mais se tem abusado em quase todos os idiomas. Com efeito, ainda em nossos dias, epicurista é um adepto da concupiscência, da devassidão, da libertinagem, da volúpia, um glutão para o qual viver é buscar de maneira desenfreada os prazeres imediatos do corpo.
Um indivíduo desse feitio anda longe de ser um discípulo de Epicuro, “profeta que fundou uma “religião” baseada nos prazeres do espírito”, que ensinava ser a felicidade fruto de um viver virtuoso, sendo a virtude, por sua vez, fruto de um viver com prudência.
É uma das pilhérias do destino, diz Henry Thomas, que a palavra “epicurista”, que com o tempo se tornou o símbolo da glutoneria e de outros vícios e mazelas como os acima mencionados, possa estar associada ao nome do mais famoso asceta do mundo antigo. Ora, foi ele, exatamente, o oposto de tais “epicuristas”. “Só irresponsáveis libertinos é que são capazes de buscar refúgio em Epicuro, mas fazem isso injustamente.”
Estudo da Física. A obra filosófica de Epicuro não se limitou, porém, a um “apostolado do prazer e da felicidade”.
A Física, por exemplo, relembre-se, foi, desde logo, um dos ramos do conhecimento pelos quais também se interessou. Interesse que o levaria à reformulação da teoria atomista de seus compatriotas Leucipo e Demócrito.
Ressalte-se, ainda, o fato de ter sido Epicuro o precursor do pensamento moderno, iniciado no século XVII. Veja-se, a esse respeito, o que diz o pensador Pablo Pereira:
”O contrato social, a busca da felicidade, o individualismo, o decaimento do poder da religião e o advento do racionalismo científico: isso parece moderno para você? Não se engane, esses temas baseiam uma doutrina filosófica bastante antiga, desenvolvida no século IV antes de Cristo e redescoberta justamente no período do advento do pensamento moderno, no século XVII. Epicuro foi o pai dessa doutrina, chamada epicurismo”.
Além desse testemunho dado acima por Pablo Pereira sobre Epicuro, poderíamos aditar aqui muitos outros, dados quer por admiradores, quer por críticos (e até detratores). Não nos é possível, porém, neste espaço, dar a palavra senão a mais alguns.
Importantes depoimentos. A seguir, pois, o que sobre Epicuro também disseram Thomas Jefferson (1743-1826), terceiro presidente dos Estados Unidos; Adam Smith (1723-1790), filósofo e economista escocês; e o também filósofo e economista Ludwig von Mises (1881-1973):
“Eu também sou um epicurista”, afirma Thomas Jefferson em carta a um amigo. “Considero que a doutrina de Epicuro contém tudo quanto de racional nos deixaram Roma e Grécia em matéria de filosofia moral.”
Segundo Adam Smith, o mais antigo, e importante, dos sistemas filosóficos que afirmam ser a prudência o caminho para a virtude é o de Epicuro. Lamenta, no entanto, que, com exceção de alguns fragmentos, a obra filosófica dele, constituída, calcula-se, de 300 livros, tenha se perdido.
Sabe-se, no entanto, que Adam Smith assim como os demais representantes da elite intelectual da época já haviam tomado conhecimento das ideias essenciais da doutrina de Epicuro através, principalmente, do poeta romano Lucrécio (98-55 a.C.).
Lucrécio é o autor da obra “De Rerum Natura” (Da Natureza das Coisas), longo poema em que ele expõe um resumo da filosofia de Epicuro, do qual era grande admirador.
Von Mises, em sua obra “Ação Humana”, fala do papel histórico da teoria inglesa da divisão do trabalho, a qual, inspirada nas ideias de Epicuro, estabelece, segundo informa Von Mises, o seguinte:
Não mais considerar como decretos insondáveis da Providência a lei e a legalidade, o código moral e as instituições sociais; demolir as doutrinas metafísicas relativas à origem e ao funcionamento da cooperação social; substituir a antiga ética intuicionista ou heterônoma (imposta pela vontade de outrem) por uma moralidade racional e autônoma; e, sobretudo, inaugurar a emancipação espiritual, moral e intelectual da humanidade, iniciada por Epicuro.
Popularidade. Como se pode ver, as ideias de Epicuro tiveram mesmo forte popularidade no século XVII. Incontestavelmente, afirma Pablo Pereira, foi ele um dos principais influenciadores das teorias liberais, surgidas na época, bem como do pensamento iluminista, também iniciado no século XVII, na Inglaterra.
Além disso, foi, ainda, Epicuro um precursor da teoria darwiniana, 2.200 anos antes de Charles Darwin. Em seu poema “Da natureza das Coisas”, nos dá Lucrécio, diz Henry Thomas, uma descrição do mundo conforme o descreve Epicuro em sua teoria da origem das espécies e dos ascendentes do homem. Segundo os estudiosos, um livrete escrito por Epicuro em que ele expõe sua teoria da evolução foi, de fato, encontrado, tendo sido certamente a fonte de que se serviu o poeta Lucrécio.