Essa história é contada no livro do filósofo inglês Thomas More, intitulado Utopia, e tema deste artigo.
Nascido em Londres, onde viveu e morreu, Thomas More (1478-1535) era filho de um eminente juiz, Sir John More, e de Agnes Graugner. A vida de More decorreu entre duas centúrias – da infância aos 22 anos, no século XV; e dos 23 aos 57 no século XVI, quando produziu e publicou suas obras.
More realizou seus estudos de nível fundamental e médio nas melhores escolas de sua cidade natal e os de nível superior na Universidade de Oxford e na de Londres. Foi proeminente jurista, embaixador, diplomata, chanceler, estadista e, sobretudo, filósofo – aliás, um dos mais importantes de seu tempo. Além disso, assim como o filósofo holandês Erasmo de Roterdã, seu contemporâneo e dileto amigo, More também destacou-se como uma das mais importantes figuras do humanismo renascentista – movimento cultural que se caracterizou por se interessar pelo “estudo do homem e o desenvolvimento de suas potencialidades”, bem como pelas obras filosóficas, literárias e científicas da Antiguidade Clássica (período da história greco-romana que se estendeu do século VIII a.C. ao V d.C.).
Tal como o pai, More também seria nomeado Cavaleiro da Inglaterra, maior homenagem concedida pelo Reino Unido. O honroso título fôra concedido ao pai, John More, pelo rei Eduardo IV (1442-1483), e Thomas More, por sua vez, o receberia das mãos de Henrique VIII (1491-1547).
Utopia – termo de origem grega que significa “lugar nenhum”, Utopia, é um neologismo criado por More para dar título à sua história sobre uma fictícia ilha, habitada por lendária sociedade baseada na razão. Escrita em 1516, em latim, Utopia, considerada a principal e emblemática obra de Thomas More, alcançaria êxito imediato. Nesse livro clássico da literatura universal, o autor faz sérias críticas à sociedade europeia do século XVI, em especial à de seu país, a Inglaterra.
Na primeira parte de Utopia, ele condena o “empobrecimento de amplas camadas da população, provocado pelo processo de acumulação de renda, pelo desejo imoderado de poder e pela política expansionista que multiplicava as guerras”. Na segunda parte, More concebe, como alternativa à sociedade europeia do século XVI, uma imaginária sociedade ideal, “organizada de acordo com a razão” e vivendo numa fictícia ilha do Novo Mundo, que teria sido encontrada por navegadores seiscentistas, pós-Colombo, que saíam da Europa em busca do continente americano.
More define o homem como um ser ambíguo. Ele acreditava na bondade humana e afirmava que, teoricamente, os humanos poderiam constituir sociedades justas e igualitárias, mas também achava que as paixões os transformam em seres surdos à voz da razão, e isso os impede de agir racionalmente.
Para a realização do ideal racional de justiça e fraternidade, diz More, a sociedade fictícia da ilha imaginária ”é fechada e rigorosamente regulamentada”. Mas segundo ele “a comunicação com o exterior, a improvisação e a espontaneidade” provavelmente resultariam numa “dinâmica de transformação” capaz de levar parte da sociedade de Utopia à injustiça, ao desamor ao próximo, à falta de convivência harmoniosa e afetiva – enfim, a um distanciamento da razão.
Sobre as possíveis fontes de inspiração que teriam levado More a descrever, em Utopia, uma sociedade baseada na razão, o que se diz é que a obra revela três principais influências – a “República”, de Platão, a primitiva Igreja apostólica e “as aspirações do humanismo cristão do filósofo Erasmo de Roterdã”. Daí – conclui um historiador da filosofia – o motivo de a sociedade utópica idealizada por More caracterizar-se pela adoção de uma vida simples e sem luxos e por ser fundamentalmente igualitária.
Na ilha Utopia, a educação é universal; no âmbito da política, os cargos são eletivos; não existe a propriedade privada nem o dinheiro; o trabalho é obrigatório nas atividades produtivas (agricultura e ofícios), que constituem a estrutura econômica dessa sociedade; isso permite que, com uma moderna jornada de trabalho de seis horas, os cidadãos vivam num ambiente de bem-estar, satisfazendo necessidades naturais e racionais, quase sem desigualdades entre os sexos.
A história utópica contada na obra de More viria a dar motivo a variado rol de palavras ou expressões sinônimas do termo “utopia“, tais como projeto irrealizável, fantasia, delírio, quimera e lugar que não existe, ensejando assim a ampliação de significados conferidos a esse neologismo criado pelo autor.
Demais obras de Thomas More: A Agonia de Cristo; Apologia; Diálogo da fortaleza contra a tribulação; Tratado sobre a Paixão de Cristo; Os novíssimos; Réplica a Martinho Lutero; Súplica das almas; e Epitáfio.