Espírito universitário
Há certos fatos característicos do nosso meio social que maculam a nossa época pela feição degradante com que se verificam, nesse volutear constante de civilização moderna ávida de progresso, e que, apesar dessa benéfica avidez, deixa-se influenciar por ideias pouco condizentes com os princípios rígidos de moral, tão necessários ao equilíbrio espiritual dos seres.
Ligeira análise pelos vários setores de atividade, quer nos lares, quer nos diferentes locais de trabalho ou nas escolas, sentimos de maneira inequívoca o abastardamento de hábitos e costumes, observamos uma lamentável falta de escrúpulos, já havendo até quem afirme convictamente ser um indivíduo honesto, um tolo ou idiota, que não sabe aproveitar-se de ocasiões oportunas para conseguir posições vantajosas ou situações invejáveis no turbulento cenário de nossa sociedade. Outros há ainda que dizem ser a honestidade absoluta uma utopia, e, portanto, impraticável.
Essa mentalidade alastra-se qual erva daninha, lançando suas raízes em todas as camadas sociais, malgrado as tentativas infrutíferas de uma minoria esclarecida, que, não se deixando corromper pelo influxo de ideias perniciosas, mantém-se em justificável estado de defesa e revolta.
Quando a sociedade periclita e os remédios aplicados não surtem o devido efeito, é natural depositar-se esperanças na mocidade em geral, antevendo-se um futuro mais otimista no desempenho dos homens de amanhã, das turmas que saindo das academias, atiram-se à luta titânica a que o mundo impele, no exercício das respectivas profissões. Mas, para grande consternação dos observadores sensatos, a onda corruptora de costumes já começa a se fazer sentir desde os primeiros anos de vida acadêmica, contaminando a formação moral dos jovens estudantes que sem se perceberem vão absorvendo desde cedo, em virtude da falta de orientação firme e cuidadosa, o vírus destruidor de uma sociedade moralmente em decadência.
Falta aos meios acadêmicos, o verdadeiro espírito universitário, indispensável ao labor construtivo e profícuo de preparar os caracteres jovens para o dia de amanhã, esse espírito universitário que se encontra profundamente deturpado pelas concepções errôneas de uma mentalidade deplorável.
Um vasto programa de reorganização social, que deve ser a finalidade primacial de todo o governo que se ufane de suas nobres intenções, não pode faltar o firme propósito de reformar de maneira profunda, as normas reguladoras de nosso ensino, inclusive o superior, no sentido de devolver-lhe o espírito universitário sadio, tão essencial ao desenvolvimento de ideais nobilitantes, que sempre foram os característicos primordiais da juventude acadêmica, com o que se tornará mais suscetível de prognósticos otimistas a árdua tarefa de forma social e moralização dos costumes, se no presente, num futuro não muito remoto.
Humberto Rodrigues
Publicado em 8 de dezembro de 1955