Discorrer a respeito do que seja o bem e sobre o que ele significa para o ser humano constitui o tema principal da moral de Aristóteles, apresentada em sua Ética a Nicômaco, obra dedicada ao filho dele, composta de dez livros.
Nosso filósofo começa por dizer que toda arte e todo saber, todas as nossas escolhas e tudo o que fazemos visam a algum bem. Não é sem razão, portanto, que já foi dito que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem.
À procura da felicidade. A espécie humana, mostra a experiência, observa ele, vive à procura da felicidade. O homem, como a mulher, almeja uma vida feliz no sentido pleno da expressão, o que, de acordo com cada indivíduo, vai, consequentemente, resultar no pleno desenvolvimento e exercício de suas capacidades, em compatibilidade com sua vida em sociedade. Entretanto, o ser humano pode enganar-se a respeito do verdadeiro bem.
Viver segundo a razão. O bem de todo ser, diz Aristóteles, está em agir segundo a função que lhe é própria. A vida vegetativa é a função própria da planta, assim como a vida sensitiva é a função própria do animal. Ambas são comuns também ao ser humano, mas nem a vida vegetativa nem a sensitiva são a função própria do homem, e sim a atividade racional. Viver, pensar, sentir e agir segundo a razão – eis em que consiste o bem, vale dizer, a virtude, a felicidade.
Cumpre, porém, que o homem comece, desde logo, a querer, realmente, agir de modo racional; que repita a ação boa, de modo a fazer dela um hábito. “Um ato virtuoso não faz a virtude, assim como uma andorinha só não faz verão. A virtude é o hábito do bem.”
O bem consiste também, diz Aristóteles, em proporcionar ao espírito, por meio da prática habitual de virtudes, a serenidade de que necessita para seu equilíbrio psíquico e sua felicidade neste mundo.
O justo meio. “A autoindulgência e a autoconfiança desenfreadas nos levarão ao perpétuo conflito com os outros e, de todo modo, são prejudiciais ao nosso caráter – mas a inibição também o é”. Esse breve extrato é de um texto em que Aristóteles apresenta sua doutrina do “justo meio”, segundo a qual a virtude é o meio-termo entre dois extremos, sendo cada um deles um vício. Desse modo, exemplifica ele, entre a covardia e a temeridade está a coragem; entre a sovinice e o esbanjamento, a poupança; entre a vaidade e a auto-humilhação, o amor-próprio; entre a desfaçatez e a timidez, a modéstia. “A meta é ser sempre uma personalidade equilibrada”, preconiza ele.
De acordo com Aristóteles, há dois gêneros de virtudes: as da vida prática e a virtude suprema. Entre as da vida prática, ele recomenda sobretudo a justiça e a amizade.
Sobre a justiça, que, para Aristóteles, é a maior das virtudes práticas, faço aqui uma breve citação do mestre: “Sua força sobre as demais reside em sua perfeição, porque quem é justo projeta-se mais para o outro do que para si mesmo. Em outras palavras, tudo que protege o conjunto dos indivíduos (a sociedade) é mais importante do que aquilo que protege somente um dos membros dessa sociedade. Por isso, dos males, a injustiça é o maior, pois destrói o tecido social”. Ainda sobre a justiça, Aristóteles chega a dizer poeticamente: “Nem a estrela-d’alva nem a estrela vespertina se igualam à sua maravilhosa beleza”.
A respeito da amizade, à qual dedica nada menos que dois dos dez livros da Ética a Nicômaco, cite-se, por exemplo, o que ele diz ao fazer uma alusão a um suposto amigo: “Aquele que, desnorteado, se perdeu e esteve privado de qualquer convívio humano sente, ao voltar da solidão para as moradas humanas, a que ponto o homem é simpático ao homem”.
A virtude suprema. Acima de toda virtude prática, porém, eleva-se a virtude suprema, chamada também por Aristóteles de “vida divina”, ou seja, a vida exclusivamente contemplativa do sábio dedicado ao conhecimento desinteressado, ao pensamento puro, não utilitário.
Segundo nosso filósofo, a essa virtude, que, sobre ser suprema, é também perfeita, corresponde, exagera ele, penso eu, uma felicidade igualmente perfeita – independentemente de qualquer circunstância exterior.
“Se o espírito é algo de divino” (isto é, uma parcela do “Bem Supremo”, como dá a entender Aristóteles em sua Metafísica), “devemos aplicar-nos, tanto quanto possível, em nos tornar dignos da imortalidade e nos esforçar por conformar nossa vida ao que há, em nós, de mais sublime.”