Existem meios eficientes de pacificar nossas guerras internas

Esse foi um dos temas escolhidos pelos ouvintes do nosso programa Racionalismo Cristão, uma filosofia para o nosso tempo, que é realizado ao vivo todas as terças-feiras pela webRádio A Razão (www.arazao.org), a partir das 18h30min. E, de fato, trata-se de um assunto impactante porque fala da realidade da maioria dos seres humanos pois os conflitos internos são uma constatação presente na humanidade.

Sabe-se que o vocábulo “guerra” tem origem germânica. Vem da palavra werra, cujo significado inicial não era o de conflito belicoso e cruel, mas algo próximo da ideia de discordância, que podia surgir de uma discussão verbal irrelevante e culminar, na pior das hipóteses, em um duelo. Resgatando seu sentido primitivo é que vamos conduzir esse desdobramento do tempo, haja vista que, ao perscrutarmos as causas dos conflitos, sobretudo no que concerne aos conflitos internos, acreditamos que eles se apoiam na ideia de discordância.

É uma realidade insofismável que os indivíduos estabelecem internamente planos e projetos para suas vidas. Todos têm um ideal a ser realizado. Consciente ou inconscientemente aspiram a algo, projetam situações. Entretanto, quando ocorre distonia, ou seja, contradição entre o discurso intrínseco e a prática extrínseca, a frustração se estabelece. Nessa perspectiva, o paradoxo é constrangedor a quem o experimenta, e suas consequências são angustiantes e dolorosas. Eis, diante de nós, a raiz do conflito pessoal: por um lado, a pessoa sente a necessidade de exprimir-se com liberdade, intenciona atuar de determinada forma, mas ao mesmo tempo encontra barreiras que, não raro, são erguidas por ela mesma, impossibilitando-a de agir em consonância com o que intencionava.

Estilos de vida desarmônicos e tensos também podem ter início na infância, quando a criança é sobrecarregada emocionalmente por seus responsáveis e se torna incapaz de exprimir adequadamente o que está sentindo. A ausência de transparência no diálogo interno, nos ideais acalentados, isto é, a falta de sinceridade para consigo mesmo, produz uma personalidade instável e, por conseguinte, pusilânime. Poderíamos citar um sem-número de fatores que geram ou ampliam os conflitos internos, quais sejam: as frustrações afetivas, a convivência familiar traumática, a inveja, a maledicência, a ociosidade, a melancolia, as más companhias, o impulso à transferência de responsabilidade, entre outros. Entretanto, o que queremos ressaltar é que, sejam quais forem as causas geradoras dos conflitos, todos possuem atributos e faculdades espirituais latentes para superá-las.

O conjunto de causas que levam o indivíduo à instabilidade emocional e à deflagração de quadros angustiantes representa terreno fértil para o florescimento de fantasias e tabus. Na busca irrefletida por receitas prontas que resolvam seu problema, o indivíduo, fixo na pseudo ideia de má sorte, tenta soluções as mais disparatadas, terminando por descambar para o desequilíbrio psíquico e para os transtornos psicóticos de toda ordem, cujos efeitos desagradáveis já mencionamos anteriormente.

O ponto de partida do pensamento espiritualista sobre a questão dos conflitos internos repousa na clara constatação de que, pelo fato de ser racional, o homem é soberanamente livre para decidir sobre seus atos. Nesse sentido, seu equilíbrio interior depende do exercício da força de vontade, caracterizada por seu dinamismo interno, e não de elementos ou rituais externos. A liberdade é uma faculdade espiritual, portanto, deve ser usada criteriosamente. O uso adequado do livre-arbítrio torna a caminhada humana mais nobre e digna, ensejando descobertas auspiciosas que se dão de forma espontânea, nunca impostas.

A contemporaneidade é marcada por um momento de rápidas e intensas transformações, por um anseio contínuo de novidades. Por outro lado, manifesta seu descrédito em propostas de perfil mais conservador. Nessa visão, as orientações mais tradicionais podem soar ultrapassadas e obsoletas. Todavia, os modernos avanços tecnológicos, bem como as conquistas científicas nos mais diversos campos, não conseguiram pôr fim aos conflitos humanos, quer em âmbito interno, quer na esfera das relações intersubjetivas. E por que isso acontece? Precisamente porque o aparato científico, cujo paradigma é empírico, não leva em consideração em suas análises a realidade espiritual. É imperioso compreender que negar a espiritualidade não significa ser mais objetivo cientificamente, mais intelectualizado ou coisa que o valha. Muitíssimo pelo contrário: revela simplesmente um preconceito que exclui de antemão a possibilidade de uma dimensão da realidade, a qual, diga-se de passagem, é a mais importante, precisamente por ser ela o suporte de todas as outras realizações.

Na questão dos conflitos internos, não se pode alimentar o pensamento ingênuo de que eles se resolverão tão somente por uma causa externa. A convicção de que, no campo subjetivo, tudo depende de nós, da qualidade de nossos sentimentos e pensamentos, de nossa atitude perante a vida, imprime um grande impulso ao compromisso de conquista da paz interior, na consciência de que ela não pode existir sem o cumprimento de deveres, sem critérios morais elevados e sem amor-próprio.

Reafirmamos que não teria propósito a vida se ela não tivesse uma finalidade superior. A ideia ilusória de que a vida física abarca tudo produz terríveis conflitos. Confiando integralmente no mundo físico, cuja fragilidade é evidente, o ser humano, enfraquecido pelo desencanto inerente às injunções materiais, vivencia o esvaziamento de seus referenciais e ideais. O ser humano maduro psiquicamente é consciente de seu valor e age de acordo com seus ideais, não se orientando pela perspectiva alheia, tampouco por amarras emocionais que impeçam o progresso moral. Somente o esclarecimento espiritual e a consequente prática do bem podem transformar positivamente o ser humano. Essa transformação, por seu turno, não significa supressão da dimensão material, pois ela é importante para a manifestação dos valores espirituais.

À medida que o indivíduo desenvolve sua força interior e se esclarece sobre sua composição, as “guerras internas” cedem lugar a batalhas de outra natureza – referimo-nos agora às lutas que o espírito trava contra seus impulsos agressivos e suas tendências inadequadas. Essas lutas devem ser conscientes e conduzidas inteligentemente, pois ao invés de produzir sofrimentos, suavizam-nos – quando não os eliminam. Cumpre, com efeito, assinalar a existência de uma profunda diferenciação entre as chamadas “guerras internas”, fruto do desconhecimento da vida em seu aspecto mais abrangente, e as lutas que todos nós temos a obrigação de travar contra nossas imperfeições. Quanto mais elevados são os ideais, maiores são as dificuldades. Sejamos fortes!

Boa leitura!

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