No dia 14 de março de 2020, assim que chegamos da reunião mensal, recebemos a notícia: nosso grande amigo, Dr. Galdino Rodrigues de Andrade, havia falecido e o sepultamento iria acontecer na tarde desse mesmo dia. Foi um grande susto, sabíamos de sua fragilidade física, porém não esperávamos esse desfecho tão rápido. Ele, que esteve junto a nós desde os primeiros passos da Casa de Santa Efigênia, quando ainda éramos Correspondente, fez questão de doar os tijolos para iniciarmos a construção do prédio, pois naquela época realizávamos nossas reuniões em uma casinha de cômodos. Hoje, a sede da Filial de Santa Efigênia enfeita a Rua Benjamin Quadros com sua exuberância. Sabemos que foram os abnegados beneméritos que tornaram possível a concretização desse feito, porém quando entramos no prédio cada canto nos faz lembrar o esmero, dedicação, empenho e bom gosto ímpar de Galdino, registrado na delicadeza dos detalhes sua assinatura.
Os vidros jateados, alguns com desenho feito por ele próprio; a mesa do estrado, uma obra de arte – a cada torneamento da madeira ele estava vigilante a orientar o marceneiro; os detalhes das canaletas de madeira a proteger as quinas das pilastras da sala das crianças deram ao ambiente um charme especial; os jardins; a madeira do estrado; as janelas do salão principal; o painel de azulejos pintados fazendo moldura aos bebedouros… São muitos detalhes, sem contar com o empenho em ajudar outras casas racionalistas cristãs. Se enumerássemos todos os feitos desse grande benemérito o texto ficaria enfadonho e prejudicaria a exposição do que julgamos mais importante: a personalidade desse ser especial. Galdino soube ser um amigo conselheiro de todas as horas, um racionalista cristão de escol, estudioso, grande conhecedor da história e dos princípios dessa Filosofia, o que lhe rendeu três magníficas obras já publicadas: Luiz de Mattos – sua vida, sua obra; Antonio Cottas, uma lição de vida; Luiz Thomaz, benfeitor da humanidade; e, uma outra, em fase de revisão, que discorre sobre a história do Racionalismo Cristão.
Nascido no interior de Minas Gerais, na cidade de Viçosa, seguiu os passos de seu pai na lavoura desde tenra idade. De família muito católica, na meninice, chegou a ser congregado mariano. Rapazola, descobriu o fascínio pelos livros, e foi esse fascínio que o fez conhecer o Racionalismo Cristão, em uma passagem importante em sua vida, que vale a pena ser contada.
Existia na região um senhor respeitado pela habilidade de “benzer” as pessoas, atividade muito comum nos interiores brasileiros. Esse benzedor atendia ao chamado das pessoas sempre com um livro a tiracolo. Um livro amassado, de páginas encardidas, ensebadas mesmo, conforme descrição do próprio Galdino. Aquele livro, que não era nada mais que Cartas Doutrinárias de 1936, considerado pelo fascinado leitor como uma relíquia, aguçou a curiosidade do astuto rapazola. Tanto fez que o herdou do benzedor. E foi assim, para o desgosto de seu amoroso e religioso pai, que nosso futuro escritor deu início aos estudos da espiritualidade, abrindo sua mente para os princípios racionalistas cristãos. Por sua convicção inquebrantável não cedeu às imposições da família. Porém, como filho amoroso que era, não deixou que esse desgosto prejudicasse a harmonia e o afeto existente entre pai e filho. Soube levar a situação com habilidade de magistrado, usando de postura digna e respeitadora, sempre deixando bem claro o afeto e a admiração que nutria pelos seus. Assim fazendo, já colocando em prática os princípios aprendidos, conseguiu, novamente, conquistar a admiração e o respeito de sua família.
Soube ser um pai dedicado e responsável, esposo atuante – um homem de família, distinto, honesto e honrado. Dentro daquele corpo frágil guardava um tesouro de bondade, compreensão e amor ao próximo, sem deixar de ser enérgico e exigente. Energia esta que definia o seu lado disciplinador. Como um bom preceptor nos preparou para os embates que enfrentamos e para os que ainda estão por vir.
Nasceu em 15 de abril de 1931. Em seu registro de nascimento consta a data de 15 de maio, porém não considerava essa data como seu aniversário, pois, contava ele, seu pai o havia registrado um mês depois do seu nascimento.
Faleceu em 14 de março de 2020 – completaria, então, 89 anos de um viver profícuo, pois soube aproveitar as oportunidades oferecidas pela vida sempre com retidão de caráter, coerência nas atitudes e o que mais destacava neste espírito, já com grande bagagem, a capacidade de cultivar boas amizades.
Amizade é um sentimento que ele louvava, considerando como joia rara de grande beleza. Tanto prezava esse sentimento que nos confessou, um dia, que o capítulo que ele mais gostou de escrever e se emocionava sempre ao relê-lo era o capítulo 17 do livro Luiz de Mattos sua vida, sua obra intitulado Luiz de Mattos, um alter ego. Conta, nessa passagem, a história da grande amizade de Luiz de Mattos com Júlio Ribeiro. Ali ele descreve a capacidade que Luiz de Mattos tinha de cultivar a amizade conservando-lhe sempre o viço e a pureza.
Sabendo que todo artista deixa cravado em suas obras um pedaço de sua alma, ouso, aqui, modificar um parágrafo desse capítulo, trocando o nome – A amizade de Luiz de Mattos era […] por: A amizade de Galdino Rodrigues de Andrade era, pois, aquele “Sol do Mundo” de que falava Cícero, que brilhava sempre para iluminar a alma dos amigos na escuridão da adversidade, para animá-la no momento turvo das dificuldades, para aquecê-la na estação fria das contrariedades, sem perder, jamais, o brilho e o calor da afetividade.
Nós tivemos o prazer de tê-lo como amigo, essa afeição que nos aquecia a alma. Felizes de nós que pudemos usufruir e sentir sua amizade! “Ornamento afetivo de sua nobre alma” – palavras dele para Luiz de Mattos, que mais uma vez as uso nessa exposição, por me faltarem melhores palavras para descrever tão grandioso sentimento.
Não contamos mais com a sua presença física, e isso ainda dói em nós, mas buscamos o consolo em suas obras e o conforto em suas constantes vibrações astrais em favor da humanidade e em especial ao nosso grupo que tanto o admira. Consideramos ser o nosso dever fazer por merecer essas vibrações.