Estamos em 2024, o ano começou, mas não para todos. É aquela velha história de que todos são iguais perante a lei, embora uns sejam mais iguais do que outros. Pode soar como piada, mas não é. Operário tem recesso no trabalho duas vezes por ano? Pequeno empresário, sempre às voltas com os papagaios bancários que entulham sua mesa de trabalho, tem recesso, férias, fim de semana prolongado? Qual! Deputados e senadores têm todas as vantagens e somente após o carnaval, as Cinzas e, se ninguém reclamar, a Páscoa, deverão retomar as atividades para as quais o povo os elegeu e lhes paga astronômicos vencimentos. A eles e à cambada de assessores.
Todo ano é assim. Até a passagem da festa o Executivo vai cozinhando o galo ou empurrando com a barriga as decisões mais importantes ou arriscadas. Até lá, deputados e senadores da República estarão atarefados com suas bases eleitorais e desfrutando do quase interminável recesso parlamentar. A interrupção temporária das atividades legislativas, o recesso, é previsto de 18 a 31 de julho e de 23 de dezembro a 1º de fevereiro. Nesses períodos poderia haver convocação para sessão legislativa extraordinária, mas não há caso de urgência ou interesse público relevante. Não faz sentido manter aberta durante o tal recesso uma casa que na verdade não funciona. Se parlamentares não estão lá, se seus carregadores de pastas e mochilas não têm o que fazer, por que os gastos com energia elétrica, consumo de água, material de limpeza, restaurantes abertos? Melhor seria estabelecer férias coletivas e manter de plantão apenas equipes de guardas do patrimônio público. Seria considerável economia para os cofres públicos.
Há decisões importantes a tomar, entre elas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre as decisões monocráticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A PEC foi aprovada em duas rodadas de votação, no plenário do Senado. O placar foi o mesmo nas duas ocasiões: 52 votos a favor e 18 contra. Agora, a PEC será analisada na Câmara dos Deputados, onde o texto terá que passar primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), hoje comandada por um deputado do PT, e isto leva a oposição a crer que a PEC nem chegará a ser pautada. A expectativa da oposição é que a CCJ fique sob controle de alguém do próprio grupo ou independente ao Planalto para que a PEC seja apreciada no colegiado.
Depois da CCJ, a PEC precisará passar por uma comissão especial a ser instalada apenas para analisar esse texto. Há previsão de que os governistas vão tentar obstruir a análise do texto nas duas comissões. Se aprovada nessas comissões a PEC seguirá para o plenário da Câmara, onde também precisará ser aprovada em dois turnos de votação para ser promulgada e passar a valer.
O que se discute na PEC é que os ministros do STF não possam mais suspender, com uma decisão individual, por exemplo, atos dos presidentes da Câmara e do Senado. Decisões individuais ou monocráticas são as tomadas por apenas um ministro entre os onze que compõem o STF, atos provisórios que precisam ser confirmados pelo conjunto dos ministros da Corte. É isso que a emenda constitucional pretende regularizar.
Projeto polêmico, exigiu votação. Alguns senadores entendem que a matéria invade as competências da Suprema Corte. Outros argumentam não ter o propósito de retaliação ao tribunal. Essa divisão de opiniões se estende à Câmara dos Deputados, onde se teme que algum voto seja dado em defesa de questões particulares, quer a favor do votante, quer contra seus inimigos.
A PEC prevê que, em caso de recesso do Judiciário, será permitida concessão de decisão individual para casos de grave urgência ou risco de dano irreparável. O caso terá de ser analisado pelo tribunal no prazo de 30 dias após a retomada dos trabalhos, ou a decisão perderá efeito. Prevê também que processos no STF que tratem de tramitação e propostas legislativas, impacto em políticas públicas, criação de despesas para qualquer Poder também terão de seguir as regras da PEC.
Estabelece ainda, sobre decisões cautelares acerca de inconstitucionalidade de lei, que o mérito deverá ser julgado em até seis meses. Após esse período, terá prioridade na pauta em relação aos demais processos.
O presidente da República não se mostra favorável à PEC, mas não parece razoável que uma voz se eleve sobre todas as demais, inclusive de seus pares, ainda que lançada de uma cabeça sóbria de vícios, e seja imediatamente acatada. A PEC é oportuna e precisa ser aprovada pelos deputados para fortalecer o sistema democrático dentro do STF e consolidar no povo o respeito e a confiança que tem na Justiça por seus magistrados. Se são onze ministros, que votem os onze em cada caso, exceto nos destacados na própria PEC.