Inadequado estado de espírito

Um número crescente de pessoas, das mais variadas faixas etárias e regiões do planeta, vem revelando ultimamente um desinteresse crônico pela vida, pelas atividades que desenvolvem e até mesmo pelas sugestões inovadoras e estimulantes que lhes são oferecidas por familiares e amigos. Na verdade, o tédio, que não é um fenômeno novo na história da humanidade, tem se manifestado de forma cada vez mais intensa no cotidiano de muitos seres humanos. Sabemos, todavia, que não basta afirmar que o tédio é perigoso e que é preciso combatê-lo; há que ensinar como combatê-lo. Apoiados nessa consciência, elaboramos a presente reflexão.

O tédio, existente em todas as culturas e em todas as épocas, representa uma experiência em que a pessoa vivencia sentimentos angustiantes e contraditórios geradores de profunda insatisfação e revolta. Por lhe faltar o interesse pela vida, o ser humano entediado anda, por assim dizer, em círculos, em busca de sentido, de algo que preencha o vazio que o sufoca e que lhe proporcione realização e bem-estar. Uma das características mais comuns do tédio é a tristeza acompanhada de dor moral e de enfraquecimento espiritual.

Alguns afirmam, com certa razão, que o radical isolamento social que a humanidade enfrentou recentemente por conta da pandemia da covid 19 diminuiu o ritmo de atividades de muitas pessoas, algumas das quais passaram a conviver com o angustiante sentimento de tédio. Contudo, diversos estudos e pesquisas apontam que pessoas hiperativas também vivenciam esse mal.  Portanto, a experiência de falta de interesse pela vida não guarda uma causa externa nem é provocada por circunstâncias exteriores à pessoa, mas tem uma raiz espiritual. Logo, são o enfraquecimento espiritual e o desconhecimento da vida em sua dimensão mais abrangente que conduzem incontáveis seres humanos à falta de vontade em bem cumprir suas tarefas e em vivenciar novas experiências.

O tédio representa um inadequado estado de espírito que deve ser identificado e contornado a tempo, pois do contrário pode assumir formas traiçoeiras e dar ensejo a diversos vícios e maus hábitos, convertendo-se em um tipo mais grave de desequilíbrio psíquico. Tédio e vício caminham juntos, ambos se relacionam com a vontade fraca e, não raras vezes, com o apego a certas facilidades. Ora, quem duvidará de que a busca continuada por prazeres fáceis entedia e vicia?

As pessoas ativas, observadoras e interessadas nos fatos e fenômenos que a cercam jamais experimentam o tédio – nem mesmo a solidão. O estudioso da espiritualidade proposta pelo Racionalismo Cristão sabe, por experiência própria, que quanto mais se interessa pela vida e por todas as riquíssimas oportunidades de aprendizado que ela não cessa de oferecer, mais entusiasmo e alegria pode vivenciar em seu dia a dia.

Quanto mais dinâmica for a pessoa, quanto mais ativa for sua mente, tanto melhor será sua qualidade de vida. Ler boas obras, meditar seriamente sobre seu conteúdo, assistir a programas instrutivos, praticar exercícios físicos, reservar momentos do dia para relaxar, realizar cotidianamente a limpeza psíquica recomendada pelo Racionalismo Cristão, trabalhar com afinco e refletir com bom senso sobre as oportunidades oferecidas pela vida são antídotos contra o tédio e a maioria dos males psíquicos.

Nenhuma forma de tédio sobrevive na mente de quem sabe manter-se motivado, e a melhor forma de encontrar motivação é compreender a vida por seu aspecto mais amplo, ou seja, pelo prisma abrangente da espiritualidade.

Há estudiosos da psicologia que afirmam ter o tédio uma dimensão social e cultural, e não apenas individual. No campo da filosofia, o pensador alemão Arthur Schopenhauer analisou meticulosamente o tédio, chegando a afirmar que se tratava de um fenômeno essencial. Apesar das diversas teorias e análises feitas historicamente sobre o tema, afirmamos com convicção que, à medida que o ser humano se esclarece espiritualmente, compreendendo suas reais necessidades, mais facilmente se dá conta do sentido efêmero e transitório das conquistas materiais, que, embora sejam, em certo sentido, importantes, não conduzem à realização pessoal.

Toda vez que busca atingir uma meta estabelecida, o ser humano alheio aos valores espirituais é quase que simultaneamente tomado pelo tédio e por um vazio existencial que acaba por asfixiá-lo emocionalmente. Portanto, somente a consciência do dever cumprido com ética, valor e exatidão produz um bem-estar duradouro e revigorante, o qual dissolve todo impulso ao tédio.

Na presente reflexão, analisamos o tédio e, sobretudo, as formas de extirpá-lo, sendo certo que a tradição de nossos estudos filosófico-espiritualistas nos forneceu os subsídios para essa tarefa. Dessa forma, a visão espiritualista lança luz sobre o tempo presente em tudo o que ele tem de complexo e angustiante, dando sentido a cada movimento, a cada reação. Certamente, aqueles que possuem tal consciência não se permitem cair na armadilha do tédio, do pessimismo, da ansiedade e da depressão, mas, estimulados pelos elevados princípios que absorvem do Racionalismo Cristão, vivenciam com alegria cada experiência proporcionada pela vida.