Legado das crises

O objetivo desta reflexão é lançar luz sobre o conceito de crise, a fim de que este seja compreendido de forma correta e completa e de que as pessoas se fortaleçam e se tornem capazes de resistir às recessões, adversidades e reveses que a vida lhes apresenta, com dignidade e certeza de que toda experiência de crise é, na verdade, uma ocasião de aprendizado, nunca de castigo. Tal compreensão, profundamente espiritualista, torna possível o restabelecimento do equilíbrio psíquico, garantindo, de forma substancial, que determinados sofrimentos ou crises sejam evitados e outros não se repitam desnecessariamente.

A vida humana se desenvolve em um contexto constantemente assinalado por dificuldades e complexidades, pois todos, sem exceção, nos encontramos em contínuo processo educativo. Nesse sentido, pode-se afirmar que as crises constituem uma parte considerável – e talvez a mais marcante – da experiência de aprendizado e autoaperfeiçoamento na qual o ser humano está inserido. Por essa razão, um dos primeiros passos no estudo da espiritualidade divulgada pelo Racionalismo Cristão, que é a análise ampla e abrangente da realidade, consiste na conscientização da importância das crises e do legado instrutivo por elas deixado, quer no campo individual, quer social.

Há que admitir que, se por um lado, as crises dão ensejo a situações dramáticas, por outro lado, mostram-nos quão capazes somos de criar soluções, de nos reinventar, de, como se costuma dizer, “dar a volta por cima”.

A história da humanidade, remota e recente, é pródiga de exemplos de homens e mulheres que, submetidos às experiências mais desagradáveis e sofridas, reagiram com valor, aprenderam as lições subjacentes aos infortúnios e venceram não apenas as crises, mas sobretudo as dificuldades interiores e os interesses mesquinhos. Reagindo positivamente às paixões, impuseram limites aos instintos inadequados e aos impulsos sabotadores, fortalecendo, por conseguinte, a vontade e enrijecendo o caráter.

Por que estou passando por isso? O que esta situação quer me mostrar? Qual é a razão de tal sofrimento? Eis algumas perguntas que, não raras vezes, emergem na mente de pessoas que, ao atravessar momentos críticos e complexos, pressupõem, mesmo que de forma incipiente, uma consciência espiritual de que todas as situações que a vida oferece têm uma função, um propósito, uma razão de ser. É certo que tais indagações não podem ter respostas satisfatórias a não ser por meio do esclarecimento espiritual proporcionado pelo Racionalismo Cristão, que imprime uma compreensão dilatada e transcendente da realidade.

É do esclarecimento espiritual que advém a certeza de que os seres humanos vivenciam um longo processo de aprendizado. É o esclarecimento espiritual que estimula na pessoa uma coragem que se superpõe às infrutíferas lamentações e elimina eficazmente as expressões derrotistas e negativas. Aqui se deve ressaltar que o pessimismo causa males tão devastadores que jamais deve ser aceito, tampouco naturalizado. É imperioso oferecer reação enérgica a todo impulso pessimista, que tenta distorcer o real sentido das crises, convertendo-as em castigos e reprimendas. Nada mais falso! As crises, como já assinalado, representam oportunidades de aprendizado e crescimento espiritual.

Quando estudamos a espiritualidade em busca de esclarecimento contínuo, passamos a observar a vida e o mundo em suas múltiplas e variadas expressões. As crises e suas consequências são apenas uma parte da experiência humana. Para além dos reveses – que são oportunidades de crescimento –, a vida, com sua beleza e energia, nos inspira e nos estimula a seguir sempre adiante, estabelecendo critérios ampliados de percepção da realidade, que são a salvaguarda do equilíbrio psíquico.

Nesta conclusão, queremos ressaltar outro aspecto do tema. As crises, além de ensejarem aprendizados e transformações pessoais, estimulam a união – sim, a união. Quantos familiares que mantinham certa distância entre si passam a se unir em torno de uma solução quando um parente comum e amado por ambos sofre um revés? No campo geopolítico, nações culturalmente distantes muitas vezes se aliam e se fortalecem para enfrentar uma ameaça comum. Não são poucos os casais separados que, diante da enfermidade de um filho, se reúnem para salvá-lo e, superada a doença, restituem a família, redescobrindo e reavivando o amor que nunca deixou de existir entre eles. Apresentamos todas essas questões e exemplos para que reste consolidada a convicção de que as crises não representam castigos, mas valiosas lições, deixando, quando espiritualmente interpretadas à luz dos ensinamentos defendidos pelo Racionalismo Cristão, um legado positivo e instrutivo na vida das pessoas, povos e nações.