A pergunta título tem um propósito mais abrangente do que simplesmente o de evocar os limites das ações cotidianas das pessoas. É importante ir além, identificar a motivação de cada uma delas, pensando o autoconhecimento como uma possibilidade de entender o porquê das reações e comportamentos, e não simplesmente como o ato de comparar defeitos e qualidades.
Naturalmente, a busca da felicidade é, para o ser humano, uma vocação e uma necessidade. Ele não pode subtrair-se a esse fato. À medida que vai se esclarecendo espiritualmente, passa a compreender que a autêntica felicidade exprime uma consciência leve, realizada e plena, advinda do cumprimento dos compromissos e deveres. Nessa trajetória, o uso que fará de seu livre-arbítrio assume excepcional relevo, conforme procuraremos demonstrar.
No que diz respeito à liberdade ou ao livre-arbítrio, o ponto de vista de uma pessoa que se entrega à materialidade, ao imediatismo, que dá realce exclusivamente à expansão de seus desejos e realizações transitórias será sempre diverso do ponto de vista de uma que olha a vida pelo viés da espiritualidade, cuja visão panorâmica está lastreada pela transcendentalidade.
Porém, a complexidade da análise comportamental dos seres humanos não deixa dúvida de que a pessoa que deliberadamente tenha se comprometido perante sua própria consciência a viver um ideal de virtude e aperfeiçoamento entenderá, por via de consequência, a necessidade de autodomínio e de restrição quanto a eventuais impulsos inadequados. Logo, a opção pelo mal não representa senão a submissão da própria vontade a um processo autodestrutivo, em que o ser humano prefere uma satisfação pessoal, transitória e egoísta à indizível satisfação existente na prática do bem e no cumprimento dos deveres.
A ideia de livre-arbítrio está intimamente relacionada à de individualidade, uma vez que exprime a aptidão genérica de todo ser humano de decidir o que melhor lhe apraz em cada circunstância da vida, o que representa, portanto, uma conquista evolutiva. O livre-arbítrio, como faculdade do ser humano, está a ele indissoluvelmente ligado.
É característico do bem sua tendência à expansão. Toda vivência genuinamente verdadeira, alicerçada em positividade e fraternidade, busca, por si mesma, comunicar-se, ampliar-se. Desta forma, abre-se uma outra dimensão do livre-arbítrio, na qual toda pessoa que experimenta uma libertação verdadeira passa a desenvolver maior sensibilidade frente às necessidades dos semelhantes. Conquista-se a empatia e, por conseguinte, a capacidade de decidir acertadamente amadurece à medida que se dedica à prática constante e desinteressada do bem. Nessa perspectiva, não há limites para o livre-arbítrio, assim como não se pode restringir o processo de aperfeiçoamento a que tudo está sujeito.
A consciência desenvolvida ao longo das experiências humanas expressa-se em uma atitude de real identificação dos elementos constituintes de uma vivência nobre e elevada, facultando a ampliação das próprias possibilidades. Assim, a existência humana fica enquadrada num ambiente de constante desenvolvimento, cujo livre-arbítrio vai se ampliando conforme a pessoa assume maiores responsabilidades de forma consciente. A centralidade que a responsabilidade deve assumir na vida não exclui ou diminui o papel da razão e, por isso, não priva o ser humano de adotar um modus vivendi alicerçado em preceitos de racionalidade.
Podemos argumentar que a liberdade, combinada com a consciência e a prática do bem, abrange a própria essência do espírito. O caminho proposto tem o objetivo de enfatizar que com a liberdade, que tende a se ampliar à medida que a pessoa se desenvolve, surge o conceito de imprevisibilidade. Com isso, os fatos vivenciados no mundo nunca podem ser reduzidos a uma lógica estritamente determinista ou a um destino fixo e implacável, uma vez que nossas ações geram consequências diretamente sobre os seres humanos e muitas vezes sobre os semelhantes. Nessa perspectiva, também é válido considerar a liberdade como uma propriedade da vontade iluminada pela razão, nada existindo que possa forçar fatalmente a pessoa e seu livre-arbítrio a submeter-se ao impulso das ações indignas e contraproducentes.
A interação favorável entre liberdade e espiritualidade não pode deixar de considerar a contradição entre a liberdade da pessoa humana tutelada pela declaração universal dos direitos humanos e proclamada de forma solene por grande parte das nações do globo e a triste realidade de violações, guerras, deportações em massa etc.
Contudo, toda análise superficial das aparentes desproporcionalidades que a sociedade vivencia, desconsiderando-se o processo evolutivo em que se encontra inserida, corre o risco de descambar no terreno da leviandade. Em razão, talvez, da generalização do vocábulo “liberdade” ou porque falte a alguns grupos maior capacidade de abstração para formular um conceito abrangente de livre-arbítrio, estabelecem-se dúvidas e confusões acerca de sua expressão pura e transcendente.
Sabemos que uma vida saudável e produtiva decorre da liberdade consciente, capaz de compreender que o livre-arbítrio, a priori, não é bom nem mau; é uma faculdade do espírito. Suas consequências repercutirão sempre a qualidade dos pensamentos e sentimentos que animaram seu uso.
Nesse sentido, retornemos à pergunta inicial: há limites para o livre-arbítrio? Bem, do ponto de vista de sua essência, detendo-nos mais um instante sobre o elemento vontade, reconheceremos que o livre-arbítrio está circunscrito ao grau de aperfeiçoamento de cada pessoa. A forma, pois, de sua atuação varia. Não há um padrão ideal para sua manifestação, embora sua incidência no gênero humano seja uma constante. Não obstante algumas limitações transitórias que não devem ser negadas nem tidas como absolutas, não é correto pensar, no campo do livre-arbítrio, em vitimização, mas em protagonismo. Assim, buscando conhecer-se cada vez mais, opondo-se a tudo que obsta o crescimento moral e concentrando sua ação na prática do bem, todos estarão fazendo o melhor uso de sua capacidade de escolha.
Muito Obrigado!