Não é sem uma ponta de abatimento que escrevemos esta coluna para homenagear Marluce Rodrigues, que soube, de maneira admirável, conquistar o respeito e o carinho de toda a nossa comunidade, por se conduzir sempre com dignidade e desprendimento e ter como referências máximas a disciplina e o amor ao Racionalismo Cristão. Mulher forte, de trato carinhoso e caráter bem formado, jamais se desviou da linha-mestra com que, utilizando-se da sutileza própria das mulheres inteligentes, marcou sua presença no quadro dos grandes nomes de nossa Filosofia.
Na filosofia racionalista cristã, as mulheres sempre tiveram destacada importância. Sem elas – estamos convictos –, não teríamos avançado tanto e com tanta solidez. Cada uma delas, todavia, com características e personalidade próprias, suscita admiração e enlevo não segundo uma linha única de afinidade, mas pela pluralidade de sentimentos nobres que evoca.
Marluce debruçou-se sobre a realidade do Racionalismo Cristão com tamanha competência, objetividade e fidelidade que há muito se tornou para nós um verdadeiro exemplo de vida. Detentora de uma personalidade sensível e de um estilo fascinante, nossa homenageada, discípula direta de Antonio Cottas e companheira afetuosíssima de Humberto Rodrigues, foi, sem dúvida, uma pessoa muito especial, que estará para sempre incorporada à história de nossa Instituição.
O respeito aos princípios racionalistas cristãos e a fidelidade máxima aos valores da família são como que fios invisíveis que nos unem a todas as maravilhosas mulheres que souberam amar e engrandecer o Racionalismo Cristão e, de modo particular, a Marluce Rodrigues. Qual o segredo da originalidade de tais mulheres? Por que exercem permanente influência em nosso meio? As respostas encontram fundamento na fidelidade aos preceitos que absorveram, que emergem de forma constante de sua conduta independentemente do cenário histórico em que se encontram e da moldura social em que estejam desenvolvendo suas atividades.
Pertenço a uma geração que tem por princípio admirar e reverenciar os feitos grandiosos da geração que a antecedeu. Na verdade, não podemos nos deixar influenciar por uma falsa ideia de renovação, em voga na contemporaneidade, que pretende ofuscar o brilho da tradição. Nesse sentido, nunca deixaremos de contemplar a trajetória ascendente e luminosa das mulheres que passaram por nossa Filosofia.
Marluce soube ser íntegra na preservação dos próprios valores e das responsabilidades que assumiu. Por essa razão, nossa admiração por ela não deixará de se ampliar, e a força que emana de seu exemplo não deixará de nos fortalecer. Na conhecida obra Crônicas Oportunas, da escritora Maria Cottas, há um capítulo intitulado Brasileiras Evoluídas (p. 107), em que a autora, concordante com Lady Edith SummersKill, membro do Parlamento inglês à época e ativista da emancipação da mulher britânica, afirma que “o importante é que a mulher se sinta realizada, seja no casamento, seja dedicando-se à atividade útil a ela e a toda sociedade”.
É impressionante como Marluce soube harmonizar de maneira brilhante as duas possibilidades apresentadas por Maria Cottas na referida passagem. De fato, ela realizou-se tanto na vida matrimonial, formando uma bela família com o marido, que a tratou por toda a vida com o afeto e a cortesia típicos de um gentleman, como também soube dedicar-se intensamente ao bem-estar do semelhante, utilizando, para tanto, as ferramentas que recebeu da filosofia que abraçou.
A enorme sensibilidade de sua alma permitiu-lhe aplicar magistralmente na vida prática, no trato com o próximo, os ensinamentos que recebeu pessoalmente dos mestres e gigantes da espiritualidade com os quais conviveu, dentre os quais Maria Cottas, que foi sua amiga e conselheira de todas as horas.
Sua vida decorreu sobre os fundamentos da estabilidade e da eficiência. Desde muito jovem, quando iniciou sua vida profissional na sede mundial do Racionalismo Cristão, responsabilidade e inteligência harmonizavam-se nela de maneira tão singular que causava admiração em todos quantos a conheciam, inclusive Antonio Cottas, que a considerava como uma filha.
Entre as inúmeras virtudes que possuía, destacavam-se a elegância e a sobriedade, cuja espontaneidade a todos encantava. Extremamente disciplinada e observadora, Marluce dirigiu suas energias ao planejamento da própria vida e à organização do tempo e das inúmeras atividades que exercia segundo critérios racionais. Reconheceu desde cedo sua vocação e a amplitude de seus talentos, aplicando-os e desenvolvendo-os na defesa da família e da filosofia racionalista cristã.
Renunciou com inteligência e vigor a tudo que se opunha ao desenvolvimento do Racionalismo Cristão, mas sem se privar da magnanimidade de buscar sempre, de forma sincera e coerente, a objetivação dos grandes ideais que a orientavam.
O legado de Marluce Rodrigues nos traz inúmeros ensinamentos, como o de que a pessoa disciplinada e esclarecida espiritualmente deve cultivar a sociabilidade sem jamais se esquecer de sua interioridade.
Dos tantos aprendizados que podemos recolher da fecunda existência de Marluce, um nos parece imprescindível destacar, para não nos estendermos demasiadamente. Fazemos menção a sua lealdade ao Racionalismo Cristão. Não há em sua trajetória um só instante em que tenha hesitado em defender sua família e os legítimos objetivos da filosofia racionalista cristã. Que magnífico exemplo!
Marluce, sempre valente a hastear a bandeira da espiritualidade, / Enche-nos, agora, de terna saudade./ Deixa-nos, contudo, um legado que reverbera respeito e dignidade./ Detentora de forte intuição,/ Soube elevar sempre a razão./ Baluarte do Racionalismo Cristão!
Muito obrigado, Marluce!