Meu adeus ao mar

A.M. Sant’ Anna

Quando, hoje, em meu recanto silencioso, como joão-de-barro tendo o meu lar, tal como o faz essa ave, em um galho de uma árvore deserta, deixo ao pensamento a missão de recordar, vou recompondo entre o céu e o mar as paisagens do meu litoral, por onde andei, quando singrava os nossos mares, como modesto marinheiro. Quem viajou outras terras, outros céus e outros mares, outros litorais e outras praias, há de falar, como aqui falo, do quanto são belas as praias desertas do litoral brasileiro.
A missão do marinheiro que contempla, quando o mar é calmo; a noite é serena e “a voz posada um pouco alevantado, que nós no mar tanto ouvimos claramente”, como disse o velho nauta Camões, e a Lua debruça-se sobre o mar, dormindo e namorando-o lá das alturas e caindo em beijos de luz na superfície azulada das ondas. Somente os nautas, vítimas das recordações, têm esses momentos de tristeza nas horas que o coração nos traz a mais dolorosa palavra que é a que nós chamamos de saudade.
Quando o céu e o mar, alta noite, estão dormindo, os ventos se reco-lhem a suas furnas; as estrelas e os as-tros da cúpula azulada se refletem no azul das águas, também o marinheiro sonha e recorda; e além das praias en-luaradas que além se divisam, “as nu-vens ajoelhadas nos claustros ermos e vãos, passam as contas douradas das estrelas pelas mãos”, como disse Cas-tro Alves, há o eterno mistério que traz a saudade e que é resumido em uma pequena palavra… é o amor!Está ancorado o meu grande navio! Agora, em vez dele ir aos mares, esta-mos ancorados! Ele deu o que pode; eu dei o que tinha! E, quando daqui do convés deste velho barco, que não mais viaja, lanço o meu olhar para o meu passado de marinheiro, vou trazendo-lhes as praias enluaradas, as poéticas orlas brancas das areias que nós víamos, quando ele me conduzia e eu o conduzia ao longo dos litorais de onde partiam as recordações daquela idade, quando há três forças a considerar: o amor, a saudade e o dever! Hoje, quando a noite desce, não tenho mais luar brincando sobre as ondas, as praias aquareladas dos coqueiros distantes, as recordações que as brisas trazem aos ouvidos dos nautas, quando o firmamento dorme, mas ancorado, silencioso, em um recanto, onde como o joão-de-barro na árvore, o barco, o ninho e o oceano de onde partem as caravelas das recordações daqueles tempos, cujo navio parou e o pensamento e as recordações são agora que pelos mares etéreos navegam. Hoje, tal como o joão-de-barro, à boca do ninho, na árvore solitária, cantando ao entardecer, recordo-me das praias sonhadoras do nosso litoral, quando do meu navio deixara horas inteiras o pensamento indo e voltando, ao sacudir das ondas ao amanhecer, ao entardecer, as noites enluaradas, ou as noites escuras ao faiscar das estrelas sobre o negror do mar, que beija e banha o grande litoral das terras brasileiras.