O tema deste artigo reúne dois conceitos importantes na estrutura filosófica do Racionalismo Cristão, o valor e a disciplina.
A disciplina é a força propulsora para o desenvolvimento de cada pessoa e da sociedade como um todo. É necessária para o enfrentamento dos desafios cotidianos, uma vez que possibilita a organização do tempo e das ideias, tornando-se via segura para a edificação de uma vida feliz. Assim, ao compromisso com a vida disciplinada a pessoa não deve corresponder de modo parcial ou abstrato, mas com integridade, para que não haja incoerência entre o discurso e a prática.
O valor, por seu turno, é uma das características marcantes da personalidade humana, permite às pessoas se comprometerem, com altruísmo e generosidade, no campo de suas relações interpessoais. Por isso, ao nos utilizarmos do vocábulo valor queremos fazer uma distinção, pretendemos indicar o significado da ação valorosa, ou seja, do valor enquanto mérito.
A relação entre princípios e valores é de indiscutível reciprocidade, na medida em que valor expressa apreço e consideração a determinados aspectos da moral. Entretanto, não podemos confundir este conceito com o de valor, característica inata, que todos possuem em maior ou menor dimensão. Trata-se de uma distinção importante e necessária em todos os aspectos, e de maneira toda especial, nos domínios da espiritualidade. Portanto, queremos deixar claro que o valor atribuído a algo tem um sentido concretamente diverso do valor característico do ser humano.
O valor da disciplina no cotidiano constitui o ponto de partida de nosso artigo. Sabemos que cada pessoa se realiza na vida encontrando paz interior ao se vincular comprometidamente com seu planejamento evolutivo. Com efeito, a realização plena desse projeto depende fundamentalmente da disciplina, é aderindo a ela que, em certa medida, o ser humano se torna livre. Podemos exemplificar: estabelecendo horários regulares para as suas atividades cotidianas, a pessoa passa a assumir o controle da sua vida no aspecto temporal, deixa de estar internamente dividida e desarmoniosa, passa a entender suas limitações e esforça-se conscientemente para superá-las com maior liberdade e responsabilidade.
No entanto, seria um equívoco limitar o conceito de disciplina à organização cronológica de atividade, a um modo de vida imposto por um grupo, a um treinamento sistemático e preparatório para um fim específico, a uma matéria acadêmica ou a um objeto usado com propósitos repressivos. A similaridade dos significados em torno da palavra disciplina nos permite discernir o quão estrita é a visão consagrada pelo senso comum. Ademais, não podemos esquecer que atravessamos uma época em que a procura do prazer e da satisfação imediatos é apresentada como ideal de felicidade. Neste contexto, o conceito de disciplina tende a ser confundido também com o de repressão.
Vale a pena salientar que disciplina é muito mais do que foi elencado anteriormente, como demostraremos na sequência. Ela é, antes de tudo, um mecanismo substancial para a efetiva prática do bem, por conseguinte, é um instrumento de evolução. Na perspectiva racionalista cristã, o conceito de disciplina não está circunscrito às dimensões puramente corporativas, hierárquicas, econômicas e técnicas, mas implica a valorização dos recursos disponíveis no planeta e no respeito próprio e coletivo.
Os acentuados desafios por que passa a humanidade nos tempos atuais exigem uma efetiva mudança de paradigma que leve a estabelecer novos estilos de vida, pautados na ética e no bem-querer. Tais estilos de vida devem ser inspirados na sobriedade, na prudência e, sobretudo, na autodisciplina.
É necessário sair da lógica reducionista do imediatismo, da egolatria e do individualismo, que desorganizam a vida das pessoas e das sociedades, e promover formas de produção de conhecimento, abordando conteúdos espiritualistas que respeitem as diferenças e satisfaçam as necessidades evolutivas do conjunto humano. Tal atitude, apoiada por uma autêntica consciência da interdependência que une todos os seres humanos, só é possível quando entendemos o elevado sentido de disciplina.
A disciplina concorre para eliminar diversas causas de desequilíbrios e de acidentes, infelizmente tão comuns na vida das pessoas. É certo também que o hábito disciplinar garante pronta capacidade de resposta quando tais eventos surgem inesperadamente.
A questão da disciplina não deve ser abordada somente pelas funestas consequências que p seu negligenciamento implica: ela deve traduzir-se, sobretudo, em uma forte motivação para a prática do bem. Por essa razão afirmamos ser a disciplina um instrumento de evolução espiritual.
Todos possuem uma dimensão criativa, esta é um elemento essencial da ação humana, em todas as fases da vida o ser humano manifesta aptidão a criar e a inovar. Qualquer que seja o projeto é necessário organização, esforço produtivo e planejamento, a fim de que corresponda positivamente às necessidades a que se propõe. Assim, emerge cada vez mais determinante o papel do trabalho humano disciplinado e inventivo. Sem disciplina capacidades de iniciativa e de empreendimento correm grave risco de se frustrarem.
A tendência à indisciplina é uma realidade no ser humano, influenciado pela materialidade própria do mundo físico o ser humano sente-se impelido, muitas vezes, a agir desordenadamente. Logo, nada pior em relação a indisciplina do que tentar escondê-la fingindo que não existe. O impulso à desordem deve ser confrontado escrupulosamente e não negado, pois quando reconhecido as chances de superação aumentam exponencialmente.
Quando a desorganização não é vencida, a negatividade de sua expressão aumenta e o ser humano displicente e indisciplinado tende a projetar nos outros o caos que vivencia. Estamos diante de uma das consequências do flagelo da indisciplina: a projeção ou transferência de responsabilidades.
Contudo, todos podem tornar-se disciplinados e fortes espiritualmente, desde que ponham em ação sua força de vontade, no sentido de se valorizarem e, acima de tudo, prestigiarem a vida, que por sua vez representa uma magnifica oportunidade de evolução.
Estamos cientes dos desvios de sentido que o conceito de disciplina está enfrentando na atualidade. Temos certeza de que a disciplina interage eficazmente com a razão, permitido a ampliação dos atributos e faculdades espirituais. É importante que esse conteúdo fundamental que é a disciplina não seja mal-entendido, e que ninguém pense ser possível excluí-lo da vida ética.
Desejamos arrematar este artigo com a figura de Luiz de Mattos, porque ele soube dar ao mundo exemplos de disciplina e dignidade, conjugou com mestria esses dois conceitos importantíssimos, que devem referenciar todas as ações humanas. Sua vida de sucessos e realizações demonstra como é válido o cultivo da disciplina, aliás sem ela o mestre espiritualista não teria feito tanto em tão pouco tempo.