Antes de começar a discorrer sobre o orgulho e o preconceito, seu companheiro, devemos admitir como pressuposto de nosso diálogo que, ao tratar de assuntos que tenham por base um recorte espiritualista, destituído de condicionalismos e interesses mesquinhos, cabe-nos o papel essencial e indeclinável de abertura e ampliação do sentido das palavras e ideias que nos propomos a estudar.
Os conceitos de orgulho e preconceito, que nos motivaram a produzir na presente reflexão, ultrapassam suas significações etimológicas mais prováveis, penetrando no campo do desrespeito às diferenças, da intolerância, da arrogância, da inflexibilidade e do convívio conflituoso. Ao falar desses inimigos do progresso espiritual, referimo-nos à associação, à fusão, à concentração de pensamentos e propósitos que visam estabelecer um paradigma segundo o qual é inconcebível a coexistência equânime entre os seres humanos, fundamentada na estima, consideração e tolerância.
A angústia, a dificuldade de pôr em prática os propósitos acalentados e a aridez emocional que muitas pessoas têm a infelicidade de vivenciar fundamentam-se no orgulho e no preconceito. Não nos esqueçamos, porém, de que é da indisposição de vencer-se a si mesmo, eliminando da mente a vaidade e a presunção, que brotam muitos males e decepções. O orgulho e o preconceito nascem do apego à materialidade, à efemeridade, à fugacidade, ao egoísmo. Encontram solo fértil na alma da pessoa que despreza o uso da razão, que não valoriza a lucidez e o cultivo da moderação.
Do amor próprio desordenado e do egoísmo muitas vezes inconsciente e inconsistente surge uma espécie de condescendência centrada no próprio eu, que fomenta o orgulho e a vanglória. O indivíduo orgulhoso se compraz em pensar nas qualidades que tem ou que acredita ter e sente prazer com elas, incidindo numa fantasia tão imprópria quanto doentia. Exagera na apreciação dos próprios méritos e é mesquinho na hora de apontar o valor alheio.
A autoestima hiperdimensionada e insuflada por injeções de vaidade aplicadas pela própria pessoa oblitera a razão, distorce o senso de realidade e culmina na desvalorização do próximo. É a partir dessa constatação que observamos a nítida interligação entre dois males que se afinam e se justificam: o orgulho e o preconceito. “Meu trabalho é superior”; “meu carro é melhor”; “meu celular é incomparável”; “meu status é de dar inveja”; “meu corpo é muito belo e saudável” – essas são frases típicas do indivíduo orgulhoso, para o qual o uso do pronome possessivo de primeira pessoa do singular não pode faltar.
O orgulhoso, ainda que não se dê conta disto, é parcial e injusto em suas avaliações diante dos semelhantes. Tem-se como superior aos demais; não raras vezes os humilha e rebaixa, visto que, dentro de sua estreiteza de pensamento, somente ele possui razão, e só são inteligentes os que lhe dão ouvidos. Percebam que não há como dissociar o orgulho do preconceito.
O preconceito, antes de apoderar-se totalmente do ser humano desatento quanto à dimensão transcendente da vida, enceta sua tarefa destrutiva e malfazeja hospedando-se pouco a pouco na mente de sua vítima. Começa com a ideia, aparentemente inofensiva, de que existem classes, etnias ou grupos que possuem, de forma inata, mais valor ou mérito que as demais. Tal absurdo legitima, de certa forma, o preconceito e o torna concreto; por conta disso, deve ser identificado e combatido. Muitas vezes, essa tarefa não é fácil, pois o preconceito também é apresentado por meio de conjecturas astuciosas e hipóteses bem elaboradas. Devemos ter muita atenção acerca dos pensamentos e conceitos com que nos identificamos, a fim de filtrarmos e eliminarmos os germes do preconceito, que nem sempre se apresentam nitidamente.
A crise de orgulho e preconceito é um dos aspectos mais lancinantes da vida do ser humano que se agita desordenadamente na faina de querer ser mais do que é, de ostentar mais do que tem e de menosprezar quem pensa e age de forma diferente. Desconhecendo sua origem e valor, sufocado pelas demandas e apelos inadequados da sociedade materialista, tal pessoa sofre e faz sofrer na obscuridade em que se compraz. A solução passa irremediavelmente pelo esclarecimento espiritual, como este proporcionado pelo Racionalismo Cristão.
À medida que a pessoa desperta para a espiritualidade, vão-se desvanecendo paulatinamente as ideias preconcebidas e os conceitos reducionistas que acalentava. A clareza, a organização mental e o discernimento são os primeiros sinais que surgem desse processo de amadurecimento espiritual, que permite ao ser humano perceber com nitidez a relação fundamental entre seus pensamentos e sua atitude moral. É no enfrentamento das grandes questões que a espiritualidade mostra seu valor, contribuindo para o cultivo do senso crítico e para a construção de um humanismo sadio, com bases autenticamente morais.
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