Em maio de 2015, publicamos neste jornal o artigo “Como vemos e sentimos a realidade”, que mais tarde, em dezembro de 2018, foi apresentado em nosso livro “Virtudes eternas”, com o mesmo título, às páginas 153-156. Nele, tratamos principalmente das realidades invisíveis e como as percebemos. Neste novo artigo, vamos alargar nossos conhecimentos examinando a realidade como conceito e a verdade como concepção e as inter-relações que elas apresentam entre si.
Para facilitar a nossa apresentação, vamos introduzir o conceito de paradigma. Paradigma, palavra derivada do idioma grego, é um modelo ou padrão a seguir. São regras ou normas orientadoras de um grupo de pessoas que estabelecem limites e que determinam como o referido grupo deve agir ou se comportar dentro desses limites. Por exemplo, o paradigma científico, que significa como os cientistas devem comportar-se em seus trabalhos teóricos ou experimentais.
Na filosofia, um paradigma está relacionado com a epistemologia, outra palavra de origem grega que significa o estudo científico que trata dos problemas relacionados com a crença e o conhecimento, sua natureza e limitações. Segundo Platão, um paradigma direciona nossos pensamentos para um modelo relacionado com o mundo das ideias, do qual fazem parte o mundo sensível e, também, o mundo invisível.
Segundo Thomas Samuel Kuhn (1922-1996), físico e filósofo da ciência, paradigma são as “realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados.” Simplificadamente, o paradigma caracteriza e impõe um referencial ou modelo para o grupo ao qual se aplica. Ele constitui a base aceita para realizações de suas experiências. A ciência, em geral, tem por paradigma o senso comum fundamentado no materialismo.
É inegável que a ciência convencional dispõe de muitos meios de observação usando o método das experimentações ou de testes e suas experiências empíricas. Ela nos expõe e demonstra estes eventos a todo momento através da tecnologia que coloca à disposição do bem-estar das pessoas. São técnicas cada vez mais sofisticadas e de elevado custo, mas estabelecidas sob os rigores do método, em que um determinado experimento deve ser observado inúmeras vezes por qualquer cientista ao redor do mundo. Mas, apesar de tudo isso, o austríaco Fritjof Capra (1939-atual), doutor em Física em 1986, em seu livro Ponto de mutação (1982), à página 45, afirma: “os cientistas não lidam com a verdade; eles lidam com descrições da realidade limitadas e aproximadas”.
É, ainda, de Fritjof Capra, no mesmo livro citado, à página 53, a afirmação: “A crença na certeza do conhecimento científico está na própria base da filosofia cartesiana e na visão de mundo dela derivada, e foi aí, nessa premissa essencial, que Descartes errou. A física do século XX mostrou-nos de maneira convincente que não existe verdade absoluta em ciência, que todos os conceitos e teorias são limitados e aproximados”.
Devemos levar em conta que aquilo que ainda “é inverificável não o torna impossível. Negar não é verificar. Se tudo é possível, tudo é verificável… Nem que seja por meios não cognitivos”.
Portanto, um paradigma restringe a nossa percepção e compreensão atual do mundo de modo individual e coletivo. Ela afeta nossas crenças e pensamentos causando uma percepção distorcida e até mesmo ilusória do que seja o mundo e o Universo.
Concluindo sobre paradigma, podemos afirmar que ele impõe, dita as regras de como deve teorizar e agir o grupo ao qual ele está submetido, qualquer que ele seja. Isso permite dar uma base ou referencial comum de trabalho, mas, de outro lado, impede que o grupo evolua ou mude suas ideias e percepções, a não ser no longo prazo.
Voltemos ao título de nosso tema. Podemos resumi-lo neste axioma: a verdade é uma percepção e a realidade é um conceito. Desdobrando, podemos dizer que a verdade é sempre a mesma, não se modifica nunca. Então, o que muda? As mudanças ocorrem nas descobertas científicas, sociais e espirituais. Neste processo de descobertas, a cada passo, os cientistas dispõem de mais recursos intelectuais e argúcia derivados do conhecimento acumulado. No fundo, são a nossa observação e análise que nos levam a adquirir mais e mais conhecimento com o recurso da percepção. Contudo, muitas vezes, algumas percepções especiais deixam de ser usadas, tais como as de ordem intuitivas, psíquicas e parapsíquicas, comumente denominadas como percepções extrassensoriais.
É sabido que não existe uma realidade única e última, mas muitas realidades. O que de fato existe é tão somente uma percepção relativa a uma determinada realidade, derivada de associação a referenciais e modelos. Vejamos um exemplo relativo ao espectro de cores que ocorre com muita gente: eu enxergo a cor vermelha de uma maneira e a ela dou uma interpretação mental; outra pessoa a enxerga diferentemente, dando a sua própria interpretação. Imagine-se, então, se uma pessoa for daltônica, a confusão entre vermelho e verde é notória. O observador observa a coisa observada em uma perspectiva de “interno” (eu) e “externo” (a coisa), respectivamente, mas ambas são incompletas de per si. Na verdade, o que existe é uma intersubjetividade, uma inter-relação entre ambos. São sistemas ou processos cognitivos que se adequam a cada psique e ao nível de cada grupo.
Há um diferencial muito importante entre o modelo científico atual e os modelos psíquicos (filosóficos e espirituais). Já vimos que o modelo científico está limitado ao seu paradigma, mas os modelos psíquicos pertencem ao “livre pensador”, sem paradigmas, inseridos em um sistema inteiramente aberto, sem nenhuma submissão a regras, tendo por objetivo principal o conhecimento e a evolução espiritual. São eles, os livres-pensadores, que estão sempre à procura de novos conhecimentos mesmo quando se trata de questões extrassensoriais. Não podemos deixar de citar os grupos religiosos e céticos. Os religiosos estão submetidos a dogmas que podem ser assemelhados a “modelos”, cada um com sua ritualística. Os céticos não têm modelo algum e, quando os têm, é para criticar ou negar os demais. Parecem sempre estar em cima do muro, sem nunca pensarem em descer dele.
O mais complexo de tudo que relatamos é vermos os modelos se contraporem e, muitas vezes, se digladiarem. Alimentando preconceitos descabidos que dificultam a formação de mudanças e a adoção de novas realidades em busca da verdade. Reafirmamos que a verdade é uma só, mas para isso precisa ter um caráter universal e não apenas terreno, como explana o Racionalismo Cristão.