Tomado ao pé da letra, o discurso com que o Presidente da República nos brindou na posse, podemos sentar-nos à sombra das samambaias e marquises e começar a contagem regressiva: dentro de quatro anos o Brasil será o maior país do mundo. Dominará todas as tecnologias nos processos de produção, será o maior produtor de energia limpa, a Amazônia voltará à exuberância sem falhas no século XVI, não haverá mais pobres nem famintos. Com certeza, porém, não eliminará o analfabetismo, porque nas 31 páginas que alguém escreveu para o Presidente ler apenas três linhas foram dedicadas à Educação. Pior que isso, mal sinal, nenhuma condenando de forma explícita a corrupção. Quanto à saúde, destaque para o SUS e a lembrança da limitação de verbas a que esteve sujeito. Há, portanto, senões àquela alvissareira proposta.
Belas palavras pronunciou o orador, e devemos tomá-las como de intenções verdadeiras, associando-nos a esse ufanar oficial: “Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da sócio-biodiversidade. Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte, uma indústria mais verde. Nossa meta é alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica.” Deduz-se que em quatro anos seremos os maiorais e o mundo se ajoelhará diante de nós.
Outro bonito trecho do discurso prometia: “Vamos recompor os orçamentos da Educação, investir em mais universidades, no ensino técnico, na universalização do acesso à internet, na ampliação das creches e no ensino público em tempo integral. Este é o investimento que verdadeiramente levará ao desenvolvimento do país”. Esta parte gera dúvida: como investir em mais universidades se as que temos estão à míngua? O novo governo deve, isto sim, adotar medidas urgentes para evitar a falência das que insistem em resistir ao descaso com que têm sido tratadas. O investimento na Educação certamente levará ao desenvolvimento do país, mas o retorno desse investimento não é imediato; deverá revelar-se após o atual Presidente haver cumprido seu mandato.
O ghost writer destacou: “O Ministério da Justiça e da Segurança Pública atuará para harmonizar os Poderes e entes federados no objetivo de promover a paz onde ela é mais urgente: nas comunidades pobres, no seio das famílias vulneráveis ao crime organizado, às milícias e à violência, venha ela de onde vier.” Muito bem lembrado, mas por falar em milícias, logo nos primeiros dias após a posse surgiram comentários de envolvimento de uma deputada, elevada à condição de ministro, com um miliciano condenado por homicídio e associação para o crime.
Outros interessantes trechos do discurso são: “O mundo espera que o Brasil volte a ser um líder no enfrentamento à crise climática e um exemplo de país social e ambientalmente responsável, capaz de promover o crescimento econômico com distribuição de renda, e combater a fome e a pobreza, dentro do processo democrático”, e “O Brasil tem de ser dono de si mesmo, dono de seu destino. Tem de voltar a ser um país soberano.”
O discurso da posse acordou o gigante, que, espreguiçando-se, abriu um longo bocejo enquanto analisa entre tantas promessas quais as de possível cumprimento, porque nem todas dependem da vontade ou da autoridade de uma pessoa.
Se pouca atenção foi dada à Educação, limitando-se o discurso a acusar a redução de verbas para o setor e a lançar vaga promessa de reerguê-lo, curiosamente nenhuma foi dispensada a um tema de que tanto se falou nos últimos tempos: a corrupção.
Será que o presidente da República, homem vivido, já com idade para frequentar a fila de prioridades, que pela terceira vez ocupa o cargo de funcionário público número um do país, que sabe o que é responder a processos na Justiça, que teve assessores condenados por corrupção, que conheceu a cadeia, acredita que, ao longo de quatro anos, nenhum de seus escolhidos e nenhum dos indicados por seus escolhidos poderá escorregar nas facilidades oferecidas aos detentores de qualquer parcela ou forma de poder? Os brasileiros, por certo, não acreditam. Não querem que aconteça, mas não acreditam. A possibilidade de corrupção zero entre tanta gente – 37 ministérios, miríades de assessores, dirigentes de estatais com seus secretários, ajudantes e carregadores de pastas, garçons e engraxates – é tão remota quanto a de a estátua do alto do Corcovado aparecer de braços cruzados ou de cócoras. Então, esta circunstância merecia um trato especial naquele alfarrábio que contém o blablablá tradicional dos empossados.
Dois anos de pandemia desnortearam as políticas socioeconômicas de meio mundo e, em alguns casos, as esfacelaram, mesmo, e este foi o caso do Brasil: dizimados os empregos de carteira assinada, menor arrecadação de impostos, paralisação de obras públicas e afastado da escola um número elevadíssimo de crianças e adolescentes, que sofreram grande perda com o retardo no aprendizado. Todas as consequências da pandemia o discurso lançou à conta do governante anterior.