A água potável despotabilizou-se; a transparência alcançou elevados índices de opacidade; surgiu odor desagradável; do sabor nem se fala. A população sofreu, recorreu à água mineral a preços gananciosamente majorados vendo seu orçamento doméstico vazar até pelo ralo do banheiro, e banhou-se na chuva de abobrinhas espargidas por alguns caras-de-pau oficiais que, desde que a crise foi denunciada, se apresentavam para dizer, ora que as causas dos danos estavam sendo apuradas, ora que em xis dias a situação estaria normalizada.
Pois foram tantos os prazos anunciados que quase faltaram alfabetos para tantos xis de modo a atender todos os pronunciamentos com a mensagem futurista.
O tempo foi passando e a água turva e fedorenta escorrendo pelas torneiras, enquanto estafetas inculpáveis depositavam nas caixas de recolhimento de correspondência as famigeradas cobranças com data para pagamento.
E estava o carioca prisioneiro de um sistema que lhe oferecia água tratada numa estação que mais parece um monumenal penico, servida na mesma bandeja que desavergonhadamente lhe oferecia a conta: era feita a cobrança porque algum governante achou que ele tem cara de trouxa.
E veio o choque da água fria: não haveria motivo para aliviar a penalidade imposta aos usuários porque o produto distribuído não oferecia risco à saúde. Uma voz ao fundo da plateia teria gritado: ”melhor é beber água de vala; ao menos é de graça”.
O espetáculo, porém, não termina aí. Há desdobramentos inacreditáveis. Dezenas de ambientalistas, especialistas, cientistas, engenheiros sanitaristas, técnicos, observadores leigos foram unânimes: está insuportável a poluição nos mananciais que abastecem a estação de tratamento. Não haverá solução definitiva para a qualidade da água servida se não for levada a sério a necessidade de saneamento da Baixada Fluminense por onde fluem os rios que escoam no Guandu.
Errou a direção da Cedae por não haver acusado mais rapidamente a causa da turbidez e mal cheiro da água, a geosmina. Errou a direção da Cedae por não haver aplicado a técnica da descarga, que consiste no fechamento de duas barragens por onde passa a água do Guandu; a estação deixa de funcionar, a água das lagoas e do rio sobe até o nível máximo de retenção das barragens. Quando o represamento chega ao limite, as barragens são reabertas. A água leva as impurezas e as algas que se multiplicam rapidamente quando há alta concentração de esgoto e acabam liberando a geosmina.
O sofrimento do carioca não parou por aí: eis que surge a denúncia da presença de detergente na água que deveria ser tratada para distribuição. Tal o volume da substância que a companhia se viu obrigada a suspender o fornecimento por alguns dias. E restou o mistério, que abriu inúmeras perguntas, entre elas: de onde teria sido lançada tão grande quantidade de detergente? acidente ou proposital? quem teria feito o lançamento? se sabotagem, qual o objetivo? teria razão o governador do Estado do Rio quando levantou a suspeita de sabotagem para inviabilizar a privatização da Cedae?
Ainda há indagações de respostas conhecidas mas negadas por quem deveria levá-las sério.
Um mês após o início da crise e seus desdobramentos, com o consequente sofrimento do consumidor, o governador do Estado do Rio acredita ter resolvido o problema: demitiu o presidente da Cedae. Faz lembrar a velha piada: retiraram o sofá da sala.