No presente artigo, reportamo-nos às constantes e aventurosas idas e vindas a que foram submetidos, depois da morte de Aristóteles e de seu principal discípulo, Teofrasto, os originais da vasta obra do filósofo.
Em 287 a.C., morreu em Atenas, Grécia, Teofrasto, sucessor de Aristóteles no Liceu e herdeiro dos manuscritos do Mestre.
Morto Teofrasto, a posse dos volumosos originais coube, também por herança, a outro discípulo de Aristóteles, Neleu de Scepsis, antiga cidade da Trôade, região da Ásia Menor. Os manuscritos foram, então, levados para essa cidade e depositados no porão da casa do novo herdeiro.
Depois de várias peripécias e decorridos já quase dois séculos, passando por mãos de vários outros “herdeiros”, os escritos aristotélicos, já a ponto de deteriorar-se, acabaram sendo descobertos por Apélicon de Teos, em 86 a.C., e conduzidos por ele de volta a Atenas.
Mas aí, tão logo chegaram, foram encontrados na biblioteca de Apélicon pelo poderoso Sila, general e estadista romano, que, com sua tropa, acabara de derrotar os atenienses e conquistar a cidade. Silas sequestrou os manuscritos e os levou, como um troféu, para Roma, onde se ocupou deles um antigo e conceituado gramático da cidade, chamado Tyránnion. O gramático era amigo e ex-professor de Cícero, o grande e célebre orador romano, que, aliás, tinha sido quem orientara Sila a encaminhar os originais de Aristóteles ao amigo. Tyránnion, após detida e cuidadosa leitura e analise dos textos, procedeu à classificação e à catalogação deles, e mandou copiá-los.
Uma das cópias dos manuscritos que o gramático encomendara foi parar, não se sabe como, nem por quais vias, em Atenas, mais especificamente, no Liceu, a escola de Aristóteles.
A obra do ilustre filósofo estava, pois, ao cabo de tais peripécias, finalmente em casa, agora para ficar. E, presume-se, voltara sem alterações, não adulterada, intacta, pelo menos em sua essência. Tanto assim que o próprio entusiasta que, então, a recebera no Liceu não alimentava dúvida a esse respeito, pois fora fiel testemunha do real e “providencial regresso” ao lar paterno da (metaforicamente falando) legítima filha do racionalismo aristotélico. (Já nos referimos, salvo engano, em algum artigo anterior, ao que diferencia o “racionalismo aristotélico” do “racionalismo platônico”.)
Andrônico de Rodes. Era, de fato, um “providencial regresso”, como disse o entusiasta que saudou a volta da obra de Aristóteles ao Liceu. Assim era, enfatiza um estudioso, por ter sido acolhida ali justamente por ele, Andrônico de Rodes, dedicado guardião e protetor da filosofia, da ciência e da cultura grega.
Décimo escolarca (diretor) da histórica escola de Aristóteles, Andrônico de Rodes, filósofo peripatético grego, viveu no século I a.C., três séculos depois de Aristóteles. Mesmo assim sua gestão ocupou também um lugar de destaque na história da cultura, pois, como visto acima, foi em sua administração, que o Liceu se tornou o “porto de salvação” e permanente porto seguro da obra de seu fundador.
E assim reluzia, no fim do túnel, um final feliz para o longo período de peripécias pelas quais passaram os manuscritos do grande pensador, correndo riscos de se perderem ou de serem destruídos se não tivessem chegado às mãos protetoras de Andrônico de Rodes.
Com efeito, logo que teve sob sua guarda os originais de Aristóteles, entregou-se Andrônico de Rodes, de corpo e alma, ao cuidadoso, longo, paciente, persistente e magistral trabalho de revisar, organizar, recatalogar e reclassificar os textos do mestre, tendo sido também o primeiro a editá-los.
A propósito, cito aqui, como tenho feito noutras ocasiões, o velho professor de filosofia Ângelo D’Aversa: “Quanto a Andrônico de Rodes, deve-se reconhecer que a missão à qual dedicou grande parte da vida, para salvar e preservar a obra filosófica de Aristóteles, constitui um dos mais relevantes serviços já prestados à filosofia, à ciência, ao racionalismo e à cultura do Ocidente”.
“Depois da física”. Certa vez, enquanto se ocupava do trabalho, atrás referido, de nova classificação dos originais de Aristóteles, Andrônico de Rodes deparou com uma obra constituída de 14 fascículos cujo assunto lhe era estranho. Por não ter certeza de onde colocar o livro entre os que tratavam de temas mais conhecidos, pôs os tais fascículos depois do texto sobre física. E os chamou, ao classificá-los ali, de “os que vão depois (‘metá’, em grego) do livro que trata de física”. E assim, desse modo casual, surgia o nome que passaria a denominar um dos importantes temas da filosofia – a metafísica.