Pó de pirlimpimpim existe e anda por aí fazendo estragos

Vivas e foguetório! Cânticos, batuques e loas! Louve-se a eficiente ação das forças de segurança que, com reduzido número de agentes (apenas 600 homens), mas com total entrega no cumprimento do dever, conseguiram, em curto espaço de tempo (50 dias), recapturar dois fugitivos, que esperávamos estar estropiados, famintos, febris, em resumo, quase mortos e em vias de entregar-se para salvar a pele. Não foi assim, porém. Depois de atravessarem 1,6 mil quilômetros (em linha reta), cortando seis estados da Federação, foram encurralados. Tinham cobertura de elementos de sua facção criminosa e estavam confortavelmente instalados em automóveis, com armas e munição e quatro comparsas, que também foram presos.


O custo foi alto, mas venceram a lei e a ordem. Parabéns a quem as fez cumprir. Entenda-se porém que, nem para exterminar o bando de Lampião, sem qualquer tecnologia disponível, foi necessária tão grande mobilização, nem era tão grande o número de soldados integrantes da volante, os macacos, como eram chamados pelos perseguidos.
Foi justamente na resistência dos homens de Mossoró, sítio da penitenciária achincalhada pelos dois fugitivos, originários do Acre, que começou a queda do cangaceiro. Conta a história que a malograda investida contra a cidade foi empreendida por 80 rebeldes, que, ao confrontarem com bravos defensores, bateram em retirada. Agora, os dois malfeitores que tripudiaram dos órgãos de segurança de Mossoró serão reencaminhados para a cadeia de “segurança máxima” local para que, restabelecidos, provavelmente empreendam nova fuga e exijam a organização de novo aparato quase bélico para recuperá-los. É assim que funciona.


Sugere-se que, como medida preventiva, se os levem para palácios governamentais, onde, com certeza, a segurança não falha. Exclua-se o 8 de janeiro, claro.


Nas cidades continuam o ta-ta-tá pra cá, o pou-pou-pou pra lá, bala pra todo lado. Ai do incauto trabalhador, infante, estudante ou dona de casa que, inadvertidamente, cruze a linha de tiro! Rapidamente estará numa gaveta do IML, sem saber quem foi o malvado artilheiro. A família do infeliz trabalhador ficará à mingua por não ter quem agilize o provisionamento, ao menos o pão e o cobertor, a dos outros possíveis alvejados vai chorar para sempre a perda, e a indignação dominará vizinhos e parentes da vítima. O estado, em última análise responsável por mais essa morte, por não ter impedido o tiroteio, se isentará da obrigação de assistir a viúva e os órfãos. Entende que é melhor premiar reclusos com casa, comida, roupa lavada, encontros íntimos e algumas outras benesses que guardas penitenciários inescrupulosos providenciam mediante propina de tamanho a combinar.


Para os governantes parece que a recaptura de dois meliantes é mais importante do que pacificar uma cidade, um bairro que seja. Ah, bons tempos em que não circulavam trouxinhas nem pinos, em que a fuga da realidade, quando amarga, era alcançada com tragos de aguardente, tempos em que desavenças eram resolvidas no tapa e em que a arma mais temida era a navalha. Hoje há que se temer fuzis, submetralhadoras, granadas e até uma ou outra ponto 30 ou ponto 50 que vêm sendo abandonadas por traficantes na fuga de investidas policiais. Tempos em que era possível traçar uma linha e apontar: deste lado estão os policiais; do outro, os bandidos. Essa linha já não é detectada, desfocada que foi pelo intenso trânsito de alguns ambiciosos servidores pagos pelos cofres públicos – dinheiro tirado do povo – para que ela seja mantida perceptível e transparente. Não se trata de maldizer ou difamar a Polícia, que merece reconhecimento pelos corretos policiais que abriga, mas, como nem tudo é perfeito, maus policiais desonram a instituição, quer dando tiros em quem não devem dar, quer tomando dinheiro de motoristas em falsas blitzes ou até apropriando-se de mercadorias de simples camelôs. E as respectivas corregedorias não tomam conhecimento ou deixam rolar. O governo, useiro e vezeiro nas conversas pra boi dormir, não assume estar descumprindo a obrigação que tem de garantir a segurança dos cidadãos, dos cidadãos que sustentam suas mordomias, seus gastos desvairados.


O visionário escritor, criador do Sítio do Pica Pau Amarelo, introduziu em suas histórias o inesquecível pó de pirlimpimpim, que permitia o deslocamento dos personagens. Pois fiquem sabendo: tal pó não foi invenção literária, ele existe mesmo e já fez desaparecer inexplicavelmente a Taça Jules Rimet (3,8 kg de ouro), seis vigas da Avenida Perimetral (40 metros de comprimento, 60 centímetros de largura e 20 toneladas cada uma) construídas de uma nobre mistura de aço, nióbio e cromo; e, mais recentemente, se constatou que uma máquina de produzir cigarros com seis metros de comprimento, dois de altura e 5,5 toneladas sumiu. O que choca os racionais, acostumados a episódios estranhos, mas explicáveis, não é o sumiço, que isto é impossível, nada some. Pode-se recordar a lei de Lavoisier com alguns ajustes: nada surge, nada desaparece; tudo muda de lugar. O que ofende a inteligência dos cidadãos é que tal máquina estava custodiada em um depósito da Cidade da Polícia, Rio de Janeiro, área que abriga 15 delegacias especializadas, a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), cinco órgãos da chefia de Polícia Civil, onde trabalham diariamente cerca de 3 mil servidores da Secretaria de Segurança e cujos limites são demarcados por altos muros de alvenaria com um único portão para entrada e saída de pedestres e veículos.


Pena que o transbordo do desafiador e deslumbrante truque da ficção para a realidade não se deu por completo: somente chegou até nós, mortais, o fenômeno do sumiço; o do reaparecimento está sendo aguardado com ansiedade. Faz-nos remontar aos idos de 1967, quando o país cantava versos que podem aplicar-se a nossa espera: “A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim, tudo é igual, mas estou triste porque não tenho você perto de mim”. Por “você” entenda-se tudo quanto foi surrupiado do povo, inclusive placas e bustos de bronze das praças públicas, parques e jardins.


Vivemos no país do não vi, não sei, nem ouvi falar. Quando as investigações apresentarem resultados, ouvirá de um implicado o inquisidor: “Se insistirem nas perguntas, negarei até que a guilhotina ou o esquadrão de fuzilamento cumpra seu mister. Assim, permanecerá a dúvida. Talvez eu tenha tido participação, mas terei ido para o túmulo com a honra de não ter confessado nem denunciado meus possíveis cúmplices”. Nessas circunstâncias, que se lixe o povo, que continuará na ignorância.