Podia ser o melhor lugar do mundo, um paraíso, mas não é

Por que quase todas as histórias infantis e infanto-juvenis começam por “era uma vez…”? Alguma terá começado por “algumas vezes…”? Pois este artigo, que não deixa de ser uma historinha, embora não dirigida a crianças ou adolescentes e que encerra lições que vão além da necessidade de conhecimento ou da lembrança dos adultos, começa com algumas vezes.

Então, algumas vezes ocorrem neste país fatos que deixam atônitos e incrédulos brasileiros que esperam ações rápidas e eficientes das autoridades, e não as recebem ou ouvem. Algumas (outras) vezes, esses brasileiros exultam ao tomar conhecimento de medidas com as quais autoridades buscam acertar, ainda que enfrentando consideráveis riscos de sofrer revezes dos próprios pares, contrários à correção dos erros administrativos e morais.

No primeiro caso, por exemplo, por que quase todos os dias o noticiário de rádio e TV se ocupa de furtos de cabos de eletricidade, de telefonia, de internet, de grades de jardins, tampas de bueiros etc., material que se torna imprestável, mas que serve à reciclagem, e ninguém é responsabilizado ou preso? É pronta a resposta de autoridades policiais: é impossível identificar os ladrões, eles agem à noite e provavelmente se escondem em alguma favela.

Que mais falar e se esperar do Rio de Janeiro (outras cidades brasileiras padecem de semelhantes suplícios), desse oásis de tranquilidade, honestidade e seriedade, conforto, prazer e satisfação… aprazível lugar onde se concentram todas as benesses da natureza a seus filhos, independentemente do mal que lhe façam.

O que temos aqui? Receptividade de primeira classe aos turistas, desde que eles não passeiem pelas ruas portando suas câmaras fotográficas ou telefones celulares (hospitalidade pura!); alimentação barata tanto em um sofisticado restaurante quanto num boteco, bebida gelada em qualquer tendinha; transporte público abundante com tarifas razoáveis; para toda a população, moradia confortável e atendida pelos serviços púbicos básicos; sistema de saúde oficial que deixa no chinelo as maiores instituições internacionais do ramo; educação primorosa a começar pelos salários dos professores e demais servidores das escolas do Governo. Finalmente, o que mais orgulha o habitante desta cidade: a segurança pública. A Polícia, treinada e capacitada, prende, prende, prende; os assaltantes, traficantes, ventanistas, reaparecem aqui e ali todo dia, a todo instante. Eventuamente ocorrem troca de tiros, também eventulmente um inocente é balado e morre.

O povo da vítima do fatídico tiro diz que seus autores foram policiais; policiais dizem que os assassinos são os fora da lei. Armas são apreendidas para exame de balística, o defunto vai para baixo da terrra, o tempo passa e fica o dito pelo não dito.

Há solução? Claro que há.

Vejamos no primeiro caso: ora, é tão simples, irritantemente óbvio. Para onde provavelmente vai esse material furtado? Pois é, para o ferro-velho. Então, por que a polícia não vasculha esses locais e “aperta” os eventuais receptadores? A crônica policial, em passado recente, registrava que, “após habilmente interrogado, o suspeito confessou o crime”. Por que não se aplica mais essa habilidade nos interrogatórios? Direitos humanos? E onde ficam os direitos dos lesados pelos prejuízos imediatos com a interrupção do recebimento da energia elétrica, comunicação via internet, uso do transporte ferroviário, com o desaparecimento da cerca do jardim, do portão da garagem…?

Muitas dessas questões, excluído o corporativismo, podem ter solução no eficiente combate à corrupção e no comportamento digno dos governantes, com o cumprimento de suas promessas de campanha. Quanto aos tiros indevidos e mal endereçados, não se pode exigir que policiais avancem sobre terreno minado de traficantes e milicianos sempre fortemente armados e municiados, dando sorrisos e tapinhas nas costas de quem passa, mas não se pode aceitar a violência, a truculência. Há que haver um meio termo. Talvez a partir de melhor preparo desses agentes. E essas armas e munição que chegam às áreas dominadas ora pelo tráfico de entorpecentes, ora pelas milícias, por onde passam? Ninguém sabe, ninguém vê? Caem do céu como chuva?