Que país é este? indagava, indignado com o que vivenciava, o poeta músico

Pois é: indagava o finado poeta e compositor, que nos legou a pergunta que cabe ser repetida a cada absurda decisão daqueles que deveriam ter discernimento para não adotar medidas inóquas, inoportunas e até impróprias em detrimento da tranquilidade e bem-estar das pessoas. E aqui está ela de volta, quando nos confrontamos com a dúvida: é para desarmar ou para armar a população?

A Lei nº 10.826/2003, que passou à história como Estatuto do Desarmamento, tinha por objetivo reduzir a circulação de armas de fogo e estabelecer penas mais rigorosas para crimes a elas relacionados. Claro, seguiram-se à sanção opiniões favoráveis e contrárias. As primeiras, movidas pelo entusiasmo e euforia; as outras, resultantes de estudos e análises do que estava sendo feito e das consequências que daí adviriam. A maioria gostou, pesquisa indicou que 82% dos entrevistados aplaudiam a novidade.

A professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Segurança Pública Jacqueline Muniz destacou na ocasião que a nova lei ampliava os policiamentos ilegais, informais e clandestinos feitos por portadores de carteira de policial, milicianos e traficantes.

Seguiu-se a promessa de “premiação” dos tolos que se desfizessem de suas armas em atenção a uma campanha cuja tônica era aumentar a segurança da população – menos armas circulando, menos homicídios. Qual! Revólveres, pistolas, garruchas, espingardas e rifles foram entregues ao Governo e o número de crimes com armas de fogo continuou subindo. A indenização era de R$ 100,00 a R$ 300,00, dependendo do tipo e do calibre da peça. O Ministério da Justiça reajustou esses valores para R$ 150,00 a R$ 450,00, mantendo os mesmos critérios de avaliação.

Era preciso convencer a população de que as armas “doadas” não voltariam a circular. Então montaram-se espetáculos circenses a céu aberto, dispondo-se milhares de armas velhas, enferrujadas, imprestáveis em via pública para serem compactadas por rolos compressores. É certo que em meio àquela sucata haveria uma ou outra peça dependendo apenas de lubrificação e que poderia ser incorporada ao acervo policial, mas ninguém se preocupou com isso. Mais de 700 mil armas de fogo de particulares, civis e militares, foram entregues durante a campanha, mas aquisições legais em igual período superaram de longe esse número.

Tanto palavrório, tanto estardalhaço para nada. Desarmou-se o cidadão de bem e fortaleceu-se a bandidagem, que passou a agir com maior tranquilidade, ciente de que a probabilidade de reação a suas investidas estava reduzida e a população mais indefesa.

Não se condena o propósito, mas a prática foi errada, alcançou apenas a camada honesta da população. Será que algum quadrilheiro entregou seu arsenal?

Não demorou muito se viu que tão badalada campanha que recolheu e destruiu milhares de armas não passou de ilusão. E vem a pá de cal sobre a lorota do desarmamento. Foram gastos milhões para destruir; agora serão gastos outros milhões para adquirir.

Quanta mentira! Quanta venda de ilusão! Há quem não entenda os critérios para utilização dos dinheiros públicos (leia-se dinheiro do povo, em última análise, porque governo não produz dinheiro; o que produz dinheiro é o trabalho, é o cérebro ou o braço do trabalhador, não as entrevistas e aparições públicas dos altos funcionários da República.)

Já em 2003, quando se criou o Estatuto do Desarmamento, a quantidade de armas de fogo em poder de traficantes e milicianos era elevada. Como era de se esperar, eles não atenderam aos apelos oficiais. De lá até nossos dias fortaleceram seus arsenais com fuzis de fabricação estrangeira, abasteceram-se de munição em abundância e até metralhadoras antiaéreas adquiriram.

Em resumo, o Estatuto do Desarmamento não alcançou seu objetivo; ao contrário, não impediu o crescimento do número de armas em poder de pequena parcela da população que vem aterrorizando a maioria, nela incluídos os que aceitaram abrir mão de seu instrumento de defesa.

Constata-se agora que a autoridade que deveria ser zelosa dos princípios que nortearam a criação do tal estatuto virou a casaca: pela Resolução 2.509, a Secretaria de Polícia Militar anuncia a distribuição de dez mil pistolas novinhas em folha para policiais aposentados que não tenham impedimento para recebê-las. O povo brasileiro pagou as indenizações pela entrega de armas na campanha e agora a do Estado pagará a farta distribuição dos agradinhos. Tal dispêndio pode ser feito em benefício da corporação, com treinamento e melhores equipamentos para os policiais. Esperamos a revogação do absurdo ato.

Não nos esqueçamos da remota hipótese de que policiais aposentados não tenham alguma arma. Nesse caso, passarão a ter duas, uma como peça de reposição ou descartável a preço de liquidação. Em resumo, mais armas nas ruas em mãos não se sabe de quem. Que país é este?