The American Way of Life. Ou seja, o modelo americano ora em nuanças bem mais avançadas, que deixam no limbo os fast-food, jeans, coca-cola, dólar etc. É a invasão política da alt-right, de alternative right, direita alternativa, derivada do conceito geral de extrema direita. Com grupos ou movimentos distintos que, a exemplo dos antigos costumes e comportamentos, espraiam-se pelos Estados Unidos, deixam as fronteiras e vão somar novas turbulências às agruras de países vizinhos, ou até distantes. Usam, para tanto, o poder de seus “influenciadores de opinião” (tudo online), na tarefa de expelir os demônios interiorizados no ser humano. Origem dessas sobras indigestas: Donald Trump, em seu mandato presidencial 2016-2020. Nada que não existisse antes. Mas agora mascara-se com nomenclatura e métodos aprimorados. E aproxima-se mais da América Latina, que a Europa já não lhe basta, conspurcando a lógica cívica de culturas políticas mais afeitas à democracia que ao extremismo.
Uso da via digital. Em foco, por perto: Guatemala, Nicarágua, Peru, Paraguai e… Brasil. O modelo, por certo não castiço, perfila uma americanização das políticas nacionais. Usa a via digital (redes sociais e campos de comunicação política articulados), que desinforma e deforma, e ao mesmo tempo exalta o governo. Amplia-se a grupos internacionais. Busca fazer prevalecer sua própria cultura de ódio e violência (pela fé religiosa, inclusive), pregando uma agenda ultraliberal, com desmedida liberdade – até a de matar. Daí incitar ao armamentismo da população, a exemplo de sua National Rifle Association. Vale-se, também, da arma jurídica para destruir reputações e negócios. Afinal, quem ousa contestar “provas irrefutáveis”, ao abrigo de condenações apoiadas em documentação falsa, mas juridicamente convincente?
Assim o cientista político Guilherme Casarões analisa este “ameaçador” momento internacional, em artigo no Journal of Democracy em Português, novembro 2022 (www.ffhc.org). Coordenador do Laboratório de Extrema Direita e autor, suas constatações complementam-se às do próprio fundador do Laboratório, David Magalhães, que, sobre o Brasil, diz: o movimento da direita radical no país não é um bloco homogêneo; inclui grupos violentos de extrema direita, religiosos conservadores e militantes nacionalistas. Freios e contrapesos institucionais evitaram o pior. “Quando a direita radical está no poder, tende a minar a democracia em doses homeopáticas, como aconteceu na Hungria sob o governo Orban”.
A “exportação” das doutrinas extremistas americanas para a Europa encontrou eco não só na Hungria, mas na Polónia, Suécia, Itália, Bulgária, França, República Tcheca, Espanha, Portugal, Alemanha. A alt-right americana tem a sua própria versão, mas promove, em tantos países quantos pode, as mesmas armas: jurídicas e midiáticas. Teorias e práticas conspiratórias e campanhas de desinformação e difamação agora soam com vozes alteradas, discursos de ódio em ponto de fervura. Diretor do Laboratório de Pesquisa do Centro para Engajamento da Mídia da Universidade do Texas, Samuel C. Woolley não duvida: a próxima onda tecnológica destruirá a verdade. Mentiras digitais servem ao autoritarismo, envolvendo, como em anéis concêntricos, propagandistas, influenciadores da opinião pública, seguidores e detentores de contas em redes sociais. Em progressão, já existem influenciadores políticos pagos. A coisa funciona bem, pois são pagos para isso: narrativas emocionais, pessoais, locais, persuasivas, que até adiantam-se a algo ainda “no ar”, para gerar quais sentimentos forem. Seu estudo (no mesmo volume de Journal of Democracy) explora os esforços de manipulação política em 12 países pela via online, dentre eles Estados Unidos, Brasil, México; Turquia e Ucrânia na Europa, mais sete países na Ásia e África.
Para os incautos, desavisados, pouco informados, curiosos, confusos, influenciáveis, aqui vai uma atualização do até então inimigo demonizado – o comunismo. Da Britannica, de referência universal, extraímos que, no Ocidente, os que se inclinam à esquerda ou centro-esquerda mostram menos uma doutrina que uma tendência. Nem a Rússia (reformista), nem as ex-repúblicas soviéticas são propensas a restabelecer o regime. Na China, o maoísmo é a versão mais ativa. Vietnã e Cuba buscam, mais que ideologia, investimentos externos para economias no rumo do mercado. A Coreia do Norte parece ser o último remanescente.
Os tempos mudaram, constata o sociólogo Michael Löwy. Com que os marxistas modernos do século XXI devem ocupar-se é da questão ecológica, no cerne do sistema político. Para ele, é impossível resolver a questão climática nos atuais quadros de sistema econômico capitalista, de expansionismo ilimitado. O chamado capitalismo verde não resolve, vai continuar “fritando” o planeta, se não ceder ao ecossocialismo. Por isso, as pregações da direita alternativa americana caminham junto com os setores econômicos antiambientalistas, escorados no jargão de que os ambientalistas estão engajados em uma conspiração comunista a serviço da China. Eis aí o mote visando os patéticos plagiários ou repetidores latino-americanos da alt-right americana, fazedores de democracias anêmicas à beira da extinção.
A verdade contra o fake. Para quem prega a liberdade sem limites, inclusive matar, lembram os sábios ancestrais: só a verdade faz o homem livre. Assim, seria a verdade a arma contra o “fake” e o dilúvio da informação deformada. Divulgar conteúdos corretos, sugere a Rand Corporation, bem como manobras de ciberguerra. Educadores, por sua vez, começam a usar chatbots em contexto real. Woolley acena com o aplicativo de mensagem criptografada EMA (da sigla em inglês), popular em todo o mundo, para uma propaganda organizada, “crucial para ativistas democráticos”.